Opinião

A inflação ainda ameaça

O ESTADO DE S.PAULO
A inflação continua infernizando a vida do consumidor e o resultado final de 2014 poderá ser pior que o do ano passado, embora a alta de preços tenha perdido impulso nos últimos dois meses. A decisão de dar uma trégua na política anti-inflacionária, recém-anunciada pelo Banco Central (BC), poderá, na melhor hipótese, poupar o País de uma estagnação mais grave, mas deixará mais espaço para remarcações no comércio e no setor de serviços. Com isso, a melhora de alguns indicadores do varejo poderá ser temporária. No mês passado, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 0,46%, bem menos que em abril, quando a variação ficou em 0,67%. O número de maio quase coincidiu com a projeção (0,43%) das cinco instituições financeiras com mais acertos na pesquisa Focus, conduzida semanalmente pelo BC. Mas, se outros números previstos por essas instituições estiverem corretos ou muito aproximados, a acomodação vai durar pouco. A taxa cairá até 0,27% em agosto, voltará a subir em setembro e no fim do ano a alta acumulada chegará a 6,44%, bem maior que a registrada oficialmente um ano antes (5,91%).

O acumulado em 12 meses bateu em 6,37% em maio e poderá ultrapassar o limite de tolerância de 6,5% nos próximos meses. A recomposição de preços contidos politicamente, como os da energia elétrica, da gasolina e dos transportes públicos, poderá pressionar ainda neste ano o custo de vida e engordar a pauta de reivindicações de várias categorias com negociações previstas para o segundo semestre.

O resultado dessas negociações poderá pressionar fortemente os custos empresariais e resultar em grandes repasses para os preços e em maior realimentação da espiral de aumentos. O ambiente eleitoral favorecerá a tolerância às pressões inflacionárias e o próprio governo, com a administração frouxa de suas contas, poderá contribuir para a farra.

Tudo isso é parte do risco assumido pelo Comitê de Política Monetária (Copom), formado por diretores do BC, ao manter em 11% a taxa básica de juros, a Selic, depois de nove altas. O comitê parece ter subestimado - ou talvez negligenciado? - o potencial inflacionário das decisões do governo nos meses mais próximos das eleições.
Outros indicadores, além do IPCA, também evoluíram de modo mais favorável em maio, mas sem apontar, no final do ano, resultados muito melhores que os de 2013. O Índice Geral de Preços (IGP), medido pela Fundação Getúlio Vargas, recuou 0,45% em maio, num movimento perfeitamente simétrico em relação ao de abril, quando havia subido 0,45%.

A queda foi provocada principalmente pela redução de 1,21% no conjunto dos preços por atacado, principal componente do IGP. Os produtos agropecuários ficaram 2,46% mais baratos e os preços dos industriais diminuíram 0,72%. Mas o reflexo dessas quedas no varejo foi bem menor do que poderiam esperar os mais otimistas. O Índice de Preços ao Consumidor (IPC), outro componente do IGP, ainda subiu 0,52%. Foi uma alta bem menor que a do mês anterior, de 0,77%, mas ainda suficiente para produzir uma inflação de 6,42% para as famílias, se acumulado em 12 meses. O terceiro componente do IGP, o Índice Nacional do Custo da Construção, aumentou 2,05%.

A demanda de consumo continua forte, embora os consumidores se tenham tornado mais cuidadosos nos últimos meses, e é preciso levar isso em conta ao examinar os dados e as perspectivas da inflação. Uma forte demanda na ponta do consumo pode neutralizar em parte os efeitos de uma desaceleração ou mesmo de um recuo dos preços por atacado.

O gasto público ainda acelerado, a expansão do crédito, mesmo com certa moderação, e os reajustes salariais dos próximos meses provavelmente ainda alimentarão uma respeitável disposição de consumo - exceto se o consumidor, diante dos sinais econômicos ruins, se tornar bem mais pessimista e cauteloso. Se as pressões inflacionárias prevalecerem nos próximos meses, confirmando a maior parte das projeções, um ajuste muito duro será necessário em 2015. Se faltar coragem para isso, o resultado será desastroso.

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