Pitacos do Zé

Tempo de orgia

José Ronaldo dos Santos
Quando criança, graças à moral dos pregadores que passavam pelo espaço caiçara, o carnaval era diversão para de se evitada, “tempo de orgia”.
  
A nossa vizinha, a dona Aparecida, uma evangélica recém-convertida, piorava ainda mais as coisas. Nomeava de “Cocheira” o local, o clube do Anchieta Futebol Clube, no Perequê-mirim, onde uns tocadores locais arrebentavam os instrumentos nas marchinhas de outros tempos. Era um termo depreciativo, onde frequentavam “as vacas, essas mulheres que não têm vergonha na cara”. Mesmo assim nós não perdíamos os matinés, se enrolando em serpentinas e confetes. A mamãe ia, discretamente, olhar a nossa diversão. Afinal, não queria se indispor com a vizinha.
  
Os mascarados eram atração especial nos dias de carnaval. Tratava-se de adolescentes e jovens do bairro que saíam em grupos com varas, dispostos a correrem atrás das demais crianças e descerem a guasca, provocando choro. A gente provocava muito eles, principalmente quando eram reconhecidos e todos passavam a gritar seus nomes. Depois de darem um show, se retiravam para algum lugar no mato onde se desvestiam e davam um jeito de não deixar pistas.
  
Era tempo de carnaval, da festa da carne. Depois, ao chegar a quarta-feira de Cinzas, as testas ficavam marcadas e... era tempo de penitência aos católicos!
  
Com o passar dos tempos, das leituras e reflexões, foi aparecendo a verdade: a festa da carne, dos prazeres, era muito mais antiga que eu imaginava. Vinha dos pagãos, dos discriminados pelo cristianismo. Desde os primórdios os homens sentem que precisam se divertir e extravasar seus sentimentos contidos pelas tarefas de rotina. Assim garantiram um ritual que cresceu e teve de ser considerado até pelo pessoal do calendário cristão.
  
Ambos, o Carnaval (tempo de diversão e de prazer), uma paixão de muitos milênios, e, o Natal (dia do nascimento do sol), foram incorporados ao calendário oficial, gregoriano. Só tomando essas medidas, era possível converter os povos pagãos, devassos, adoradores de outras divindades da Antiga Europa. A ideologia nova, imposta pelo imperador romano, conseguiu trabalhar as mentes, redirecionar toda  paixão popular para um calendário litúrgico que deveria ser seguido à risca.
  
Hoje, as linhas religiosas fundamentalistas ainda continuam ativas. Coitada da finada dona Aparecida que nem queria olhar para o outro lado da rua, onde ficava a “Cocheira”, um ponto de união da praia do Perequê-mirim! Agora, se não estou enganado, por falta de lugares assim, a juventude crescida na hipocrisia fundamentalista, está desorientada e preferindo se drogar. Que pena!

Twitter

Comentários

Anônimo disse…
Caro Jose Ronaldo
O carnaval inocente que você gostava esta em decadencia, pelas ações e escolhas de quem participa do carnaval.
Associar estes problemas aos cristãos é uma grande forçada de barra.
Hoje para encontrar esse tipo de carnaval,você só vai encontrar em cidades históricas,religiosas e quase sempre próximo a uma igreja católica.
São os cristãos que estão preservando as tradições que voce tanto gosta.

É necessário questionar hipocrisias fundamentalistas.
Mas não vejo o mesmo empenho ao questionar as hipocrisias relativistas.

Sua descrição do paganismo é romantica e quase infantil.
Os cristãos foram perseguidos e mortos por pagãos nos primeiros séculos do cristianismo.
Cristãos combateram os sacrificios humanos que fazia parte da liturgia pagã,o infanticidio,o incesto, o canibalismo,etc...
O paganismo do passado não lembra nem de longe os manuais wicca água com açucar de hoje...

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu