Opinião

Brasília esnoba Davos

O Estado de S.Paulo
Com o Brasil no fundo da cena, meio envergonhado e quase escondido, Rússia, China, Índia e África do Sul são presenças importantes na reunião deste ano do Fórum Econômico Mundial, em Davos. O primeiro chefe de governo a se apresentar no primeiro dia do encontro, numa sessão especial, foi o primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev. O primeiro debate, aberto duas horas e meia antes, havia sido sobre a economia chinesa. Acadêmicos, empresários e representantes do governo chinês - muitas vezes do mais alto escalão - costumam bater ponto na cidade, onde indianos estão sempre envolvidos em grandes eventos do Fórum ou paralelos ao programa oficial. O presidente da África do Sul, Jacob Zuma, foi escalado para um debate. Só o B do Brics fica fora do jogo. Sua diplomacia terceiro-mundista, moldada segundo padrões de centro acadêmico e obediente ao esquerdismo provinciano do PT, prefere esnobar Davos. Se essa ingenuidade fosse inofensiva, seria digna de pena. Mas tem prejudicado o País há muito tempo.

Representantes do Fórum lamentaram a ausência da presidente Dilma Rousseff. Ela pode usar como desculpa a reunião dos sul-americanos, no Chile, com representantes da União Europeia. Mas a história é outra. No ano passado, o ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, explicou a atitude do governo brasileiro. Segundo ele, Davos atrai quem procura exposição e afirmação no plano internacional. Naquele ano, o secretário do Tesouro e o principal negociador comercial dos EUA estavam em Davos. Nenhum outro ministro brasileiro havia aparecido.

Neste ano, a lista de figuras em busca de projeção internacional na estação de esqui de Davos é enorme. Para citar só algumas, além de Medvedev: a chanceler alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro italiano, Mario Monti, o ministro da Economia do Japão, Toshimitsu Motegi, o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, o líder da maioria na Câmara de Representantes dos Estados Unidos, Eric Cantor, a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy, o presidente do Banco Central de Israel e ex-número dois do FMI, Stanley Fischer, o primeiro-ministro do Egito, Hisham Mohamed Kandil, vários outros governantes do mundo árabe e dirigentes de várias das maiores empresas do mundo, além de acadêmicos renomados. O vice-presidente sênior da escola central de formação do Partido Comunista Chinês (PC), Li Jintian, está na lista dos participantes.

Algo mais do que a neve de janeiro deve atrair a Davos o líder republicano Eric Cantor e o vice-presidente da escola central do PC chinês, além de governantes de instáveis países da Primavera Árabe. Também deve ser o caso de dirigentes de países endividados e grandes banqueiros. O fascínio da globalização neoliberal, hoje em crise, parece uma resposta insuficiente. Para o bem ou para o mal, Davos funciona como vitrina, tribuna e ponto de encontro de grandes interesses.

O Brasil é oficialmente representado pelo presidente do BC, Alexandre Tombini, e por dirigentes da Petrobrás e alguns funcionários de segundo e terceiro escalões. Os poucos representantes do setor privado, como o presidente da Embraer, Frederico Curado, têm mais peso no cenário internacional que a maior parte dos enviados oficiais.

A escassa presença do governo é explicável pela deterioração da política externa. Os governos de parceiros estratégicos eleitos pela diplomacia petista, como Rússia, China, Índia e África do Sul, livraram-se da ilusão terceiro-mundista. Quanto à pequena participação do setor privado, combina com a tradição comercial brasileira. Boa parte do empresariado se acomodou e acha que é muito melhor produzir mercadorias caras e de qualidade precária para um mercado protegido, mas limitado, que batalhar por oportunidades muito maiores no mercado global, Muitos desses empresários jamais devem ter lido Guimarães Rosa, mas todos conhecem a mais citada de suas frases: "Viver é perigoso". Não encontrariam melhor parceiro que um governo empenhado em aplicar estratégias dos anos 50 a uma economia do século 21.

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