Opinião

Riscos sobre duas rodas

O Estado de S.Paulo
Os hospitais públicos do Estado de São Paulo atendem, em média, nove ciclistas acidentados no trânsito por dia e ao menos um deles morre em consequência dos ferimentos. No ano passado, 3,4 mil ciclistas foram internados pelo SUS, a maioria com traumatismo craniano, lesões na coluna vertebral, fraturas da pelve, pernas e braços. Na capital paulista, conforme dados da CET, 49 ciclistas morreram no ano passado na disputa de espaço nas ruas com carros, caminhões, motos e ônibus. Esse é o resultado da incorporação de um veículo frágil a uma malha viária saturada, numa cidade sem adequado planejamento viário e sem a preocupação de preparar motoristas e ciclistas para esse convívio. Em 2011, dos ciclistas mortos na capital, 12 foram vítimas de acidentes com ônibus e 16 com automóveis.

Diariamente, 214 mil pessoas pedalam entre suas casas e seus locais de trabalho, o que representa 70% do total de viagens por esse meio de transporte na cidade de São Paulo. Se considerados os trajetos entre a casa e a escola, o comércio ou serviços, o índice sobe para 96%, conforme dados da pesquisa O Uso de Bicicletas na Região Metropolitana de São Paulo, realizada pelo Metrô. A maior parte dos adeptos desse meio de transporte vem da parcela mais carente da população, mas cresce consideravelmente, a cada ano, o número de estudantes e jovens profissionais que trocam os carros pela bicicleta.

Por causa do número crescente de acidentes, desde o mês passado a CET incluiu entre as tarefas dos 2,4 mil marronzinhos a fiscalização de motoristas que podem colocar ciclistas em perigo. Seria bom que também fossem fiscalizados os ciclistas, porque, pelo Código de Trânsito, bicicleta é veículo não motorizado que deve respeitar a sinalização de trânsito, o que raramente acontece. E melhor seria se, antes de estimular o uso da bicicleta, a administração pública fizesse a parte que lhe cabe na construção de infraestrutura adequada para garantir a segurança dos ciclistas.

A cada acidente com ciclistas, são repetidas críticas aos motoristas de veículos motorizados que não os respeitam como deveriam. É preciso considerar que, historicamente, São Paulo negligenciou a instalação de um eficiente sistema de transporte, à altura do tamanho e complexidade da cidade. O uso do automóvel sempre foi estimulado, mas o planejamento e o aumento da malha viária nunca acompanharam o ritmo do crescimento da frota. Além disso, a educação e a formação dos motoristas não receberam a atenção necessária e o que prevaleceu foi sempre a disputa cada vez mais acirrada e violenta por cada centímetro de ruas e avenidas.

De uns anos para cá, diante do caos no trânsito, da incapacidade de melhorar a curto prazo o transporte coletivo e da pressão mundial por ambientes urbanos sustentáveis, a Prefeitura passou a estimular o uso da bicicleta na cidade. Adotaram-se soluções bem-sucedidas em outros países, mas, ao contrário deles, pularam-se aqui as etapas básicas do processo de criação de uma infraestrutura capaz de tornar seguro o uso da bicicleta.

Com 11,2 milhões de habitantes, a capital paulista conta com 113 quilômetros de ciclovias, ciclofaixas e vias de trânsito compartilhado. Copenhague, considerada modelo no mundo para o uso de bicicletas, tem mais de 350 quilômetros de ciclovias para 1,2 milhão de habitantes. E, desde a escola primária, as crianças dinamarquesas aprendem a se comportar no trânsito, utilizando o veículo de duas rodas.

De acordo com o Instituto Parada Vital, que cuida do projeto UseBike, com o apoio do Metrô de São Paulo e da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, a procura por bicicletários na cidade aumentou 20% nos primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período de 2011. E, segundo pesquisa da ONG Nossa São Paulo, 40% dos paulistanos usariam a bicicleta se houvesse mais segurança no trânsito.

A bicicleta ajuda muito a melhorar a mobilidade urbana. Mas seu uso não deve ser estimulado antes que a cidade conte com as condições viárias e a educação necessárias para evitar tantos acidentes.

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