Opinião

Matança na maratona

O Estado de S.Paulo
Nenhuma organização terrorista internacional ou grupo fanático americano assumiu a autoria da carnificina de Boston - onde a explosão de duas bombas matou 3 pessoas e feriu mais de 170 na reta de chegada da maratona que a cidade promove há 117 anos no feriado local do Dia do Patriota. Estarrecidos diante do pior ataque em seu território desde o bárbaro ultraje do 11 de Setembro, os Estados Unidos amanheceram ontem não menos perplexos do que se recolheram na véspera em relação à identidade dos perpetradores. Em regra, os movimentos a que eles pertencem alardeiam as suas odiosas façanhas contra o "Grande Satã", como os extremistas islâmicos se referem aos EUA.

O silêncio tende a corroborar a avaliação inicial de que o atentado não foi obra de um ou de diversos suicidas, a exemplo daqueles que lançaram aviões sequestrados - dois deles em Boston, por sinal - sobre as Torres Gêmeas de Nova York e o Pentágono, em Washington, há 12 anos. Pelo menos ao que se divulgou, nada mudou desde que o presidente Barack Obama se dirigiu aos seus concidadãos no fim da tarde de anteontem para dizer que o governo ainda não sabia "quem e por que" havia cometido a infâmia, pedir à população que não tirasse "conclusões apressadas" e prometer que os culpados serão descobertos e sentirão "todo o peso da Justiça". Provavelmente porque, nos EUA, o substantivo terrorismo é associado de imediato ao adjetivo muçulmano, ele se guardou de usá-lo. Em 1995, afinal, um americano matou a bomba 168 e feriu mais de 500 em Oklahoma City.

Mas quem quer que tenha concebido ou executado o crime nefando de anteontem só pode ser chamado de terrorista - e conhecedor da matéria. Começa pela escolha da ocasião, a mais tradicional competição do gênero no mundo, para a qual se inscreveram, desta vez, nada menos de 27 mil homens e mulheres de numerosos países, acompanhados, como sempre, por multidões festivas que reúnem de crianças de colo a idosos. A expertise aparece também na escolha do local, entre prédios situados no trecho final da corrida de 42 quilômetros, onde a aglomeração é obviamente mais compacta. E numa rua do centro da cidade, margeada por edifícios, o que amplifica o impacto de uma explosão, pelo deslocamento de ar e difusão de estilhaços.

Os profissionais provocaram duas detonações, com 15 segundos de intervalo, a menos de 100 metros uma da outra, quando muitos maratonistas ainda se esfalfavam para completar o percurso, alheios a tudo mais. O plano, portanto, era matar e ferir o máximo de vítimas indefesas - e de fato, não foram poucos os sobreviventes que perderam as pernas. Tanto os assassinos sabiam o que faziam que não descuidaram do rescaldo da emboscada, deixando armadas nas proximidades pelo menos duas outras bombas, felizmente desativadas a tempo. A intenção era de que rebentassem quando as equipes de socorro estivessem em pleno trabalho, em meio ao caos.

O terrorismo não pode ser erradicado, ao contrário do que propunha o então presidente Bush com a sua insensata, custosa e, afinal, contraproducente "guerra ao terror global". O desafio dos governos é reduzir a incidência do morticínio indiscriminado, sem transformar os seus países em réplicas de Estados policiais. Informação ou inteligência, como se queira, é a forma mais eficaz de prevenção - quando funciona. Aparentemente, as agências de segurança americanas não encontraram indícios do preparo da chacina de Boston. A sorte, e nada mais, ajudou o país em duas ocasiões conhecidas.

A primeira, no Natal de 2009, quando falhou o explosivo que um nigeriano suicida conseguiu, por incrível que pareça, levar a bordo de um voo da Delta de Amsterdam a Detroit - e isso depois de o seu pai ter alertado diplomatas americanos, além de um agente da CIA, para a conversão do filho ao islamismo radical e sua mudança para o Iêmen, base da Al-Qaeda da Península Arábica. A segunda ocasião foi em maio do ano seguinte, quando dois vendedores ambulantes chamaram a atenção da polícia para um veículo do qual saía fumaça em Times Square, no coração de Nova York: era um carro-bomba armado por um paquistanês treinado em terrorismo, que residia nos EUA. Desta vez, os fados não ajudaram.

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