Ramalhete de "causos"


“O dotô disse qu’eu não tenho nada”

José Ronaldo dos Santos
Há três décadas, buscando detalhes sobre “o francês que caiu com um avião na serra”, fui conversar com alguns moradores do sertão do Pasto Grande e da Sesmaria, no Ubatumirim. Foi quando eu conheci o Mané Grande, o Antonio Clemente e tantos caiçaras maravilhosos. E lá voltei várias vezes! E lá escutei tantos causos! E lá aprendi muito da história do norte do município!

Depois desse período, esporadicamente continuei encontrando, no centro da cidade, algumas dessas pessoas. Porém, a maioria delas nunca mais tive o prazer de ver e de conversar.

Em uma tarde daquele tempo distante, por volta das 14:00 horas, no ponto de ônibus da rua Conceição, quase cruzando com a Rio Grande do Sul, deparei-me com o estimado Antonio Clemente tossindo a cada meia dúzia de palavras. Após os cumprimentos, perguntei-lhe sobre o motivo da vinda à cidade. Ele disse isto:

- É esta tosse (tosse, tosse, tosse). Faz mais de mês que tô co’ela (tosse, tosse, tosse). De tanta insistênça da mulhé (tosse, tosse, tosse), hoje vim no posto (tosse, tosse, tosse). Levantei cedo, sortei a galinhada no cisquero (tosse, tosse, tosse), descí até a estrada (tosse, tosse, tosse) pra pegá o primero ônibus (tosse, tosse, tosse). Quando cheguei no posto já tinha uma fila (tosse, tosse, tosse); não demorô muito pra abrir a porta (tosse, tosse, tosse). Custô um poco na hora de fazê a ficha (tosse, tosse, tosse). Também custô a chegá o dotô (tosse, tosse, tosse). Quando foi minha veiz de se consurtá, era hora do armoço (tosse, tosse, tosse). Médico é gente; também come (riso, tosse, riso, tosse). Não demorô e logo vortô para me ixaminá (tosse, tosse, tosse). Escutô o meu peito (tosse, tosse, tosse), perguntô muita coisa (tosse, tosse, tosse); riscô arguma coisa num papé (tosse, tosse, tosse). Finarmente, sem olhá pra mim (tosse, tosse, tosse), disse qu’eu não tenho nada (tosse, tosse, tosse). Tô sossegado. Agora (tosse, tosse, tosse), tô vortando pra casa (tosse, tosse, tosse). Tenho que prendê a galinhada (tosse, tosse, tosse). Quero chegá no serão, mas antes do sereno (tosse, tosse, tosse), senão... (tosse, tosse, tosse) esta tosse pode piorá (tosse, tosse, tosse).

Após a despedida, segui o meu caminho pensando alto:

- Coitado do seo Antonio! Se aquela tosse não é nada, o que é então?

Sugestão de leitura: Mitologia grega, de Junito de Souza Brandão.

Boa leitura!

Twitter

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu