Coluna do Celsinho

Brilhar

Celso de Almeida Jr.

Em Brasília, o Ricardo Pimentel cismou com o meu sapato.

Não tiro a sua razão.

Admito: dentre os meus muitos defeitos, peco na embalagem.

Caminhando para a quinta década, já era hora de zelar por minha imagem.

Por isso, aceitei resignado a observação e subi ao trono do engraxate, instalado num centro comercial brasiliense, próximo ao hotel.

Graxa, claro!

Não espere que eu mude os meus hábitos a toque de caixa.

Para que comprar um sapato novo, se com cincão eu garanto o lustre do velho pisante?

Paciência, Ricardo...

Enquanto a escova cantava, um jovem com um copo de cachaça se aproximou.

Puxou conversa, mostrou desenvoltura e domínio de conteúdo, revelando que tinha largado o curso de História.

Questionador, anunciou a insatisfação com o mundo e que não via perspectivas, pois o "sistema" ditava as normas.

E encerrou o assunto pedindo uns trocados.

Lembrei dos discursos que ouvia nos meus tempos de estudante e de como me libertei de pensamentos dessa natureza.

Aquele moço, porém, desorientado, estava nitidamente desistindo de integrar a sociedade.

Neguei a esmola e disse que, com a sua inteligência, era um desperdício não voltar aos estudos.

Com o conhecimento e a capacidade de expressão que demonstrou, poderia exercer a cidadania e contribuir para despertá-la em muitos jovens com as mesmas angústias que hoje o atormentam.

Ele agradeceu mas não largou o copo.

Paguei o engraxate e voltamos ao hotel acolhedor.

Fixei o olhar no brilho dos sapatos.

Foi inevitável a recaída.

Há muito mais com o que se preocupar.

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