Opinião

Civilização entrou em declínio quando se aboliram os duelos públicos

João Pereira Coutinho
Foi paixão à primeira vista. Falo de Nassim Nicholas Taleb, um dos maiores pensadores vivos. Finalmente, aqui estava alguém capaz de enfrentar a "ovelha negra" (ou, nas palavras do próprio, o "cisne negro") do otimismo racionalista.

Sim, podemos elaborar as mais perfeitas teorias sobre o mundo. Mas existe uma margem de "contingência" que escapa à razão humana –e, em muitos casos, determina o que somos e não somos.

Esta verdade, que era pacífica para os autores greco-latinos, deixou de o ser para o "autismo pós-iluminista ingênuo e pseudocientífico", como afirma Taleb. Resultado? Somos como Procusto, a figura mitológica que sequestrava os viajantes e tentava que eles encaixassem perfeitamente na sua cama. Os viajantes mais altos tinham as pernas cortadas. Os mais baixos eram esticados.

A obsessão de Procusto simboliza a nossa obsessão em adaptar a realidade aos nossos conceitos –e não ao contrário.

E se falo de Procusto é porque ele surge no título do livro de aforismos de Taleb, "The Bed of Procrustes" (a cama de Procusto). Porque Taleb, para além de tratados filosóficos sublimes como "Antifrágil", é também um aforista que podemos comparar aos melhores (La Bruyère, Pascal, Cioran etc.). Escolho dez aforismos –os meus dez, como quem se olha no espelho para conversar com uma alma gêmea.

Escreve Taleb: "Nunca se ganha uma discussão até começarem a atacar a nossa pessoa".

Comentário: Quando os meus críticos usam argumentos racionais, eu deprimo e medito onde falhei. Quando me insultam, sorrio com prazer e saboreio a vitória.

Escreve Taleb: "Pergunto-me se um inimigo ressentido ficaria com ciúmes se descobrisse que eu odiava outra pessoa".

Comentário: Não deixa de ser um mistério que a literatura seja pródiga em paixões não correspondidas –mas não em ódios não correspondidos.

Escreve Taleb: "Algumas pessoas só têm graça quando tentam ser sérias".

Comentário: Gosto de fazer análise política porque o material nunca desilude.

Escreve Taleb: "As pessoas concentram-se nos bons modelos; mas é mais eficaz encontrar antimodelos –pessoas com quem não nos queremos parecer quando crescermos".

Comentário: Uma educação civilizada não se faz por adição –mas por subtração.

Escreve Taleb: "Os homens destroem-se uns aos outros durante a guerra; e a si mesmos em tempo de paz".

Comentário: O instinto pela sobrevivência é um caso de psicologia invertida: quanto mais o mundo conspira para nos matar, mais intensamente desejamos viver. A estatística suporta a psicologia.

Escreve Taleb: "Nunca liberte ninguém de uma ilusão se não conseguir substituí-la por outra ilusão. (Mas não se esforce demasiado; a ilusão substituta nem precisa de ser mais convincente do que a inicial)".

Comentário: Todos conhecemos radicais de esquerda que se converteram à direita (o inverso é mais raro). "Conversão", aqui, é a palavra: há espíritos que não suportam a orfandade da religião ideológica.

Escreve Taleb: "Quando batemos fisicamente em alguém, fazemos exercício físico e descarregamos a tensão; quando o insultamos verbalmente na internet, só nos prejudicamos a nós próprios".

Comentário: A civilização entrou em declínio quando as sociedades aboliram os duelos públicos.

Escreve Taleb: "Para Sêneca, o sábio estoico devia abandonar os esforços públicos quando fosse ignorado ou quando o Estado fosse irremediavelmente corrupto. É mais sábio esperar pela autodestruição".

Comentário: O que é válido para os Estados também é válido para as pessoas. A violência da inação é a forma mais elegante de vingança.

Escreve Taleb: "Um dos problemas das redes sociais é que está a tornar-se cada vez mais difícil para os outros queixarem-se de nós nas nossas costas".

Comentário: "Gosto que me critiquem na cara", dizem pessoas sem maneiras ou imaginação. Prefiro não saber nem estar presente para não estragar a liberdade criativa de ninguém.

Escreve Taleb: "Existem homens que se rodeiam de mulheres (e procuram riqueza) para ostentação; outros fazem-no maioritariamente para consumo; raramente são os mesmos".

Comentário: Nunca tive particular apetência por mulheres-troféu. Sempre parti do pressuposto, provavelmente errado, de que eu próprio já era o troféu.

Original aqui

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