Pitacos do Zé

Neide, Cecília, Elizabeth... Enfermeiras da minha vida!

José Ronaldo Santos
Em Ubatuba, eu tive muitas oportunidades de comprovar o sacerdócio que é a enfermagem! Testemunhei a Neide indo pelos caminhos ao atendimento dos pobres caiçaras, me submeti às agulhadas da Cecília nas muitas doações de sangue, encarei o desafio da Beth ao dizer: “A Dona Irene vai deixar o hospital, mas antes disso precisamos lhe dar uma moradia digna, no Monte Valério”. E lá fomos nós, gente da Estufa, em mutirão, construir a casa da mulher.

No século passado, logo depois do fim da segunda guerra mundial, a filosofa Hannah Arendt quis entender o que sustentava as atrocidades do nazismo, chegando à conclusão o absurdo da banalidade do mal é “consequência de uma ação impensada, alienada e conivente, que propaga um tipo de normalidade, de hábito insensível. Esse mal faz ignorar as vítimas e pode se instalar tanto em regimes totalitários quanto democráticos”.

O meu autor do momento, James Clavell, no livro Gai-Jin cita: “O dinheiro torna qualquer modo de vida possível. O dinheiro, sob a forma de ouro, prata, arroz ou seda, até mesmo esterco, o dinheiro é a roda da vida, faz as engrenagens funcionarem”. Eu digo que é preciso outras precauções, além da febre do ouro e da questão do poder, no combate à banalidade do mal.

No sábado, dia 12 de novembro, na casa da minha amiga escutei o seguinte: “Qual é o trabalho das enfermeiras num hospital? Não é zelar pelos pacientes, medicá-los conforme determinação médica e estar sempre atenta aos possíveis chamados de intervenção nos variados quadros dos pacientes, com suas situações mais graves?”. “É, acho que também é isso!”. “Pois é, amigo! E o meu irmão está lá, nos últimos suspiros de vida; o próprio médico já nos preparou para isso. Agora, o que podemos fazer senão lhe transmitir a solidariedade?”. “É, concordo. O que se espera em momentos assim é apenas paz consigo mesmo. Por isso é importante os familiares demonstrarem ao menos um semblante de aceitação, de despedida,  de perdão pelos momentos de fraqueza do doente. Se os amigos também fizerem isso será melhor ainda!”. “Agora entenda amigo: somos pobres como você bem sabe, o quarto que meu irmão divide com outra pessoa é pequeno, mas tem leito para mais um. Ele não tem a idade que a lei do estabelecimento permite ter acompanhante. Nem sei se seria útil alguém a mais só para olhar o seu definhar. Eu, pessoalmente, não aguento aquele pesar do ambiente. Expliquei isso para a enfermeira que, mais atenta ao seu celular, queria me impor como acompanhante, que eu ficasse de vigília durante a noite, depois de estar por ali o dia inteiro. Ela, continuando mais de olho no seu aparelho do que em mim, disse que tem uma solução: há cuidadores; o preço é de cento e dez reais durante o dia e cento e cinquenta por noite. Será que ela pensa que somos ricos?”. “É lógico que não, amiga! Rico vai ficar nesse hospital, num quarto apertado, com um assento rústico para seu acompanhante passar a noite? E vai achar normal duas ou três profissionais velando suas mensagens nos celulares em um recôndito esbranquiçado, mal percebendo as lamúrias que por ventura escapam pelos corredores? Acho que passa da hora de recordar o sacerdócio das primeiras enfermeiras formadas em Ubatuba, atendendo até na tragédia ocorrida na cidade vizinha de Caraguatatuba, em março de 1967, sob o comando da Irmãs Agostinianas. É comovente ler uma delas relatar: ‘Para chegarmos a Caraguá tivemos que atravessar um mar de lama. E só quem aventurava numa dessas eram os homens. De saída, nos apresentamos na cadeia local, onde estavam reunidos os voluntários. Fomos de caminhão. Os homens bebiam antes, para aguentar, pois a chuva continuava caindo e penetrava até os ossos. No lugar que recebia os voluntários trocamos de roupa e logo nos mandaram para o Clube XV, onde se achavam umas trezentas pessoas abrigadas, pois suas casas tinham sido destruídas. Havia ali muitas crianças e idosos. Era um choro contínuo de crianças e de adultos. Uma havia perdido isto, o outro mais aquilo, um terceiro familiares!... Lembro-me de um senhor que chegou acalentando um pedaço de madeira, como se fosse uma criancinha. Aproximei-me e lhe perguntei o que estava fazendo: - É o meu bebê, a mãe dele foi na correnteza’. 

- Amiga, o que vemos é a atualização da banalidade do mal. Ainda bem que existem as exceções!

Isto se ensina na escola, nas aulas de Filosofia: “Hannah Arendt encontrou-se diante de um enigma assim quando escreveu a tese da banalidade do mal, na tentativa de compreender a maldade praticada pelos homens”. Muitas das maldades nem são percebidas como maldades. Seus praticantes são jovens, adultos ou idosos, esposas ou maridos exemplares, pais dedicados, praticantes de alguma religião, alguém que se julga devidamente civilizado, cumpridor de seus deveres, sobretudo de seus horários que justificam seus salários e asseguram seus empregos. Nem percebem que são aliados de um sistema que está aniquilando as pessoas, a começar dos mais pobres, que mereceriam essa atenção devotada aos seus celulares. 

Neide, Cecília, Elizabeth, Isabel, Balbina e Mercedes estão entre as enfermeiras da minha vida. Agradeço-lhes pelos exemplos em minha vida. Parabéns aos profissionais da saúde que não se afastam do desafio de zelar pela vida de tanta gente na Santa Casa da Misericórdia de Ubatuba.

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