Opinião

Quatro filmes em cartaz mostram que o cinema está bem vivo

João Pereira Coutinho
Quem diria: um americano conseguiu fazer a melhor adaptação de Jane Austen que já vi em cinema. Verdade que não falamos de um americano qualquer - quem assitiu a "Metropolitan" ou "The Last Days of Disco" sabe que Whit Stillman é o mais brilhante director da sua geração, embora talvez fosse mais correcto apresentá-lo como o melhor literato da sua geração. Nos filmes de Stillman, os diálogos são literatura pura. E só um literato seria capaz de transformar a infilmável "Lady Susan" em "Amor e Amizade".

Sejamos francos: "Emma" ou "Pride and Prejudice", nas suas estruturas convencionais, estão talhados para o ecrã. Cada capítulo, uma cena. O sonho de qualquer roteirista. Mas como filmar uma novela, erradamente tida por menor, que é apenas um longo conjunto de cartas trocadas entre os personagens principais?

É possível pelo talento de Stillman e pelo génio da própria Jane Austen, que em "Lady Susan" abandona a ironia branda dos romances e opta por um tratado sulfúrico sobre a natureza das mulheres. Sobretudo das mulheres que procuram fortuna e adultério (como Lady Susan) ou então da sua confidente, Alicia Johnson, uma dama muito dedicada ao marido e que reza dia e noite para que ele sucumba a crises de gota.

O filme de Stillman é uma "peça de câmara" sobre a arte da duplicidade - e isso só é possível porque a novela epistolar já facilitava esse baile de máscaras, consoante o destinatário. Para uns, Lady Susan confessa-se uma mãe devota, que deseja casar a filha Frederica com um pretendente respeitável; para outros, a filha é um ser débil e vulgar, "o tormento da minha vida", e um empecilho aos triunfos da matrona.

E se o leitor pensa que em "Lady Susan" haverá um final "justo" e "pedagógico", de acordo com o carácter de cada um, pensa mal. "Lady Susan" é o mais cínico e amoral dos textos de Austen ao mostrar como a virtude, estimável em teoria, nem sempre é o caminho infalível para chegar às felicidades terrenas.

Que esta novela seja repetidamente esquecida pelas vestais da sra. Jane Austen, não admira: a inesquecível e triunfante Susan Vernon estraga qualquer canonização.

Original aqui

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