Opinião

Cunha e a Velhinha de Taubaté

Estadão
O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) deve achar que os brasileiros somos uma versão coletiva da crédula e ingênua Velhinha de Taubaté. Não pode ser outra a explicação para a fantástica história que ele pretende contar ao Conselho de Ética da Câmara para tentar justificar os vultosos recursos, a ele vinculados, que foram descobertos na Suíça e que até outro dia ele jurava que não existiam.

Os “dólares” que foram jogados sobre ele por um manifestante na quarta-feira passada eram de mentirinha, mas o dinheiro que abasteceu as contas relacionadas a Cunha no exterior – e que ele não declarou à Receita Federal – é bem real. E, se esse numerário não foi declarado, é porque o nobre deputado, que preside a Câmara e é o segundo na linha sucessória da Presidência da República, talvez tenha algo a esconder.

Em 12 de março deste ano, Cunha foi à CPI da Petrobrás, por sua própria vontade, e declarou que não tinha nenhuma conta no exterior. Seus colegas na comissão, muitos deles seus fiéis correligionários, acreditaram na versão e aplaudiram o deputado ao final de seu depoimento. Mas, em setembro, o Ministério Público da Suíça informou que Cunha era beneficiário – ou seja, dono – de três contas abertas entre 2007 e 2008 em nome de empresas offshore no banco Julius Baer. Há ainda uma quarta conta, esta em nome de Cláudia Cruz, mulher do deputado. Em abril do ano passado, pouco depois do início da Operação Lava Jato, duas delas foram encerradas.

Em inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal, Cunha é acusado de receber US$ 5 milhões em propina do esquema de corrupção na Petrobrás. Parte desses recursos, cerca de 1,3 milhão de francos suíços, teria sido depositada em 2011 pelo lobista João Henriques, ligado ao PMDB e preso no âmbito da Lava Jato.

Diante dessas evidências escandalosas, Cunha desistiu de negar a propriedade do dinheiro depositado no exterior. Mas vai dizer ao Conselho de Ética da Câmara que esses recursos jamais foram públicos – seriam resultado de negócios privados realizados na década de 1980, quando Cunha, que ainda não era parlamentar, vendia carne processada e enlatada para a África. Também fazia operações no mercado de capitais, para as quais, segundo ele mesmo conta, orgulhoso, sempre teve “mão boa”.

Cunha vai dizer ainda que não tem contas no exterior, e sim “trustes” – quando os recursos ou bens são confiados a uma instituição que os administra para o depositante ou para um beneficiário indicado por este. Segundo o deputado, foram abertos dois desses fundos, mas com montantes bem inferiores ao informado pelas autoridades suíças. Ele negou ainda o relato do Ministério Público da Suíça segundo o qual o dinheiro depositado em seu nome circulou por 23 contas bancárias de quatro países, uma das maneiras de ocultar a origem.

Finalmente, Cunha disse que desconhece o depósito de 1,3 milhão de francos suíços que o lobista João Henriques fez em um dos tais “trustes” do deputado. À Justiça, Henriques afirmou que o dinheiro era propina relativa a um negócio da Petrobrás no Benin, paga a pedido do economista Felipe Diniz, filho de Fernando Diniz, deputado peemedebista morto em 2009.

A versão de Cunha apela para o sobrenatural. Diz o deputado que, em 2007, ele emprestou a Fernando Diniz US$ 1,5 milhão para ajudar o colega a se recuperar de negócios feitos fora do País. Como Diniz morreu, Cunha considerou que a dívida havia morrido junto com o amigo. Agora, o deputado diz acreditar que o dinheiro seja uma espécie de pagamento post-mortem daquele empréstimo, feito pelo filho do amigo, à sua revelia. É um bom roteiro para um filme de horror.

Cunha disse que tratará o caso “com calma, tranquilidade e riqueza de detalhes”. Detalhes decerto suficientes para rivalizar até mesmo com a imaginosa carochinha. Um deputado fiel a Cunha resumiu, ao jornal O Globo, a intenção do deputado: “Não interessa se vai colar ou não. O que importa é ter algo a dizer”.

Original aqui

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