Opinião

A quem interessa?

Sandro Vaia
Que o Brasil não é para principiantes já tínhamos sido avisados por Tom Jobim.

Mas nem o genial autor de “Garota de Ipanema” seria capaz de imaginar que chegaríamos a tanto, mesmo num país que segundo ele, costuma estar “de cabeça para baixo”.

A história da prisão do senador Delcídio do Amaral e do banqueiro André Esteves, mais a ordem de prisão de Edson Ribeiro, advogado de Nestor Cerveró, envolve capítulos desconcertantes que passam pela tragédia grega, com lances da Commedia dell’Arte e passando pela velha comédia pastelão, com pitadas de Buster Keaton, Chaplin até o escracho de Oscarito e Grande Otelo.

Senão vejamos:

1) Reúnem-se num quarto de hotel o líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral, o advogado de Nestor Cerveró, Edson Ribeiro, e o filho do ex-diretor da Petrobras, Bernardo Cerveró. O grande ausente porém muito presente, é o banqueiro André Esteves, jovem gênio das finanças, dono de um prestigiadíssimo banco, o BTG Pactual, amigo e financiador de muitas figuras importantes da República.

2) Bernardo, ator de teatro, dribla o esquema “antigravações” que Delcídio costumava montar e com um simples smartphone grava mais de uma hora e meia de conversa.

3) O tema da reunião: arrumar um habeas corpus para Cerveró, para evitar a sua delação premiada, e a partir de sua libertação arrumar uma fuga dele rumo à Espanha, via Paraguai ou Venezuela, num avião Citation, um Falcon 50 ou um veleiro. Um dos temas da discussão: o que fazer com a tornozeleira durante a fuga?

4) Outro tema: como arrumar o habeas corpus? Delcidio promete papos com os ministros do Supremo Teori Zavazcki, Toffoli, Gilmar Mendes e Nelson Fachin. “Importante é centrar fogo no STF”.

5) Mas o foco mesmo é tirar Cerveró da cadeia. Delcídio promete a Cerveró e família 50 mil por mês. André Esteves, o banqueiro, está disposto a “ajudar” na questão do dinheiro.

O que se vê nesse cenário? Suspeitas contra o Supremo, que se vinga, decretando, por unanimidade, a prisão do senador em pleno exercício do mandato (primeira vez desde 1985); um advogado que em vez de defender seu cliente lhe indica uma rota de fuga pelo Paraguai, ainda por cima insinuando que já fez muita gente sair do País por ela:  um Senado, constrangido pela opinião pública, que decide em votação aberta e por 59 a 13 (nove votos do PT) manter a prisão do colega.

No emaranhado dessa inacreditável teia, ainda sobram suspeitas de vazamento de documentos da delação premiada (o banqueiro Esteves disse que tinha uma cópia), e até novas suspeitas sobre a conta de Romário na Suíça (ele trouxe um documento de lá desmentindo a conta, mas o banco tinha sido comprado pelo BCG Pactual - o que reavivou a suspeita).

Como coadjuvantes desse emocionante thriller pastelão aparecem ainda o PT (partido do qual Delcídio era líder no Senado) que em uma nota assinada pelo presidente Ruy Falcão simplesmente o entrega aos leões (afinal Delcídio não é companheiro de nascença), e o sempre equilibrado e ponderado ex-presidente Lula, que considerou o comportamento de Delcídio uma “coisa de imbecil”, e chamou próprio senador de “idiota”.

Ruy Falcão justificou a diferença de tratamento dado a Delcídio e outros acusados petistas dizendo que “existe uma diferença clara entre atividade partidária e atividade não partidária” -  o que faz supor que juntar pixulecos para a legenda é “uma atividade partidária”.

Na torrente de palavras gastas com essa perturbadora novela, faltou o esclarecimento essencial: quem tem tanto medo - e por que - da delação premiada de Cerveró a ponto de querer gastar 4 milhões e mais 50 mil por mês para abafá-la?

Aguarde os próximos capítulos. Há muita Pasadena pela frente. Cerveró disse que Dilma sabia de tudo. E Janot já tinha arquivado a investigação sobre Delcídio. Qui prodest? A quem interessa?

Original aqui

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu