Opinião

Um desafio à coragem

Estadão
Dilma Rousseff é uma presidente da República com escasso apoio popular e político que mal consegue manter-se formalmente no comando do governo. Sendo impensável a geração espontânea de uma onda nacional que restaure o prestígio da presidente em decadência, qualquer ação que ela adote para promover um ajuste fiscal que estanque a crise econômica só terá alguma possibilidade de sucesso se Dilma Rousseff descer do palanque e assumir de peito aberto, sem meias palavras, os erros cometidos e a disposição de corrigi-los em benefício dos interesses nacionais considerados a partir de uma perspectiva mais ampla e plural do que aquela imposta pelo projeto de poder do PT.

Para provocar verdadeiro impacto, Dilma precisaria anunciar uma medida radical, emblemática da determinação de fazer o que está ao alcance da Presidência da República para reconquistar a confiança do País sem a necessidade de conchavos e aliciamento fisiológico de “aliados”: uma reforma ministerial para valer, que muito mais do que contribuir para a redução das despesas públicas implique a mudança radical da qualidade dos homens e mulheres que compõem o primeiro escalão da administração pública federal. A Nação requer um governo composto por pessoas sérias, honestas e capazes, que não transijam quando diante do interesse nacional e do imperativo da correção pessoal.

Dilma Rousseff tentou fazer, logo nos primeiros meses de seu primeiro mandato, uma “faxina” no Ministério que montara sob influência de seu antecessor. Poucos meses depois tudo voltara ao que era antes, e a precariedade moral voltou a ser a característica deste governo. Ela cedera, nessa questão fundamental, à ingerência direta de seu criador, Lula.

Agora, o que está em jogo é mais do que a convivência em bons termos entre ela e Lula. É a sobrevivência de seu governo e, em última análise, a estabilidade do regime. E se, naquela época, ela sabia escolher entre o certo e o errado – ainda que passando de um para o outro sem grandes dramas de consciência –, tem agora toda as razões para afastar a tigrada que se serve do poder, colocando em seus lugares brasileiros não apenas moralmente íntegros, mas técnica e politicamente competentes – pois a um ministro de Estado não basta ser um bom técnico.

Dizer que o primeiro escalão governamental precisa ser composto por pessoal moralmente íntegro, além de ser uma obviedade, não significa que todos os ministros do atual governo não sejam honestos. Significa que predomina naquele grupo a mentalidade do poder como um fim em si mesmo, em benefício de interesses pessoais, de grupos ou de partidos. A “articulação política” que se faz no Palácio do Planalto é um mero toma lá dá cá. A Administração Pública tornou-se sinônimo de aparelhamento partidário. Os cofres públicos são o pasto de administradores inescrupulosos, empresários gananciosos e aventureiros de todo naipe. Isso é que é preciso mudar. E não se diga que as coisas “são assim” e é impossível fazer política e governar de outro modo. Não estamos falando de fenômenos da natureza, mas da capacidade de arbítrio como característica essencial da condição humana. Ser safado é uma opção pessoal. Ser honesto também.

Está previsto para a quarta-feira da próxima semana o anúncio oficial da reforma ministerial como contribuição do governo ao corte de despesas públicas. É uma história que não convence. Para começar, propagandeiam os governistas a versão mendaz do corte de pelo menos “10 Ministérios”. Encenação pura. Pelo menos metade desses cortes significa apenas a subtração do título de ministro dos responsáveis por secretarias e agências do governo. Continuarão “intocáveis”, entretanto, secretarias elevadas à condição de ministério por representarem “bandeiras” do PT.

Nada do que se faça nessa área e com esse espírito contribuirá para o ajuste fiscal e muito menos para o aumento da eficiência administrativa da máquina pública. Livre-se a presidente da gentalha de quem se cercou no governo e fora dele – há exceções, é claro – e recomponha o seu conselho com gente de bem – de bem sentir, de bem pensar e de bem fazer –, e a Nação saberá reconhecer seu esforço e sua coragem. Pois sem esforço e coragem ninguém se liberta das correntes malignas que se apoderaram da política e dos negócios públicos.

Original aqui

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