Opinião

Mediocridade automotiva

Estadão
Enquanto o comércio global se renova e se torna mais dinâmico, o Brasil continua preso ao pacto de mediocridade do Mercosul. Só essa disposição para jogar na terceira divisão – na segunda estão os países mais empenhados em avançar – explica a decisão do governo brasileiro de prorrogar, mais uma vez, o acordo automotivo com a Argentina. Na versão atual, o acordo deveria expirar em 30 de junho, mas será renovado provavelmente por prazo superior a um ano, segundo informou o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro Neto. A decisão foi anunciada depois de uma reunião, no Itamaraty, de chanceleres e ministros econômicos dos dois países. Com isso se adia mais uma vez o livre-comércio de veículos e componentes entre as duas maiores economias do bloco.

Para o Brasil, continuar preso às amarras do Mercosul e de um de seus subprodutos, o acordo automotivo, implica ajustar-se ao ritmo e aos padrões comerciais da economia argentina, caracterizados pelo alto protecionismo e pelo baixo poder de competição internacional. Mas esse protecionismo, embora eficiente quando aplicado a produtos brasileiros, é insuficiente para deter o ingresso de mercadorias chinesas no mercado argentino.

A China já tomou o lugar do Brasil no fornecimento de bens de capital e de outros bens manufaturados à Argentina e tende a continuar conquistando espaços nesse mercado. A crescente dependência dos argentinos em relação a investidores e fornecedores chineses tende a minar as normas do Mercosul, em prejuízo principalmente da economia brasileira.

O comércio de veículos e partes entre Brasil e Argentina tem sido sujeito a regras especiais desde o começo dos anos 90, elaboradas como complementos das normas do Mercosul. No formato conhecido nos últimos anos o acordo automotivo foi oficializado no fim de 2002. Deveria ter vigorado até 2005. O livre-comércio para o setor automotivo foi previsto para entrar em vigor em 1.º de janeiro de 2006, mas os dois governos mudaram de ideia.

O acordo foi prorrogado inicialmente por 60 dias e depois estendido até o fim de junho de 2006. Novo adiamento o manteve em vigor até 2008, depois até junho de 2014 e finalmente até junho de 2015. Em cada prorrogação os termos foram parcialmente alterados. O objetivo foi sempre atender a conveniências do lado argentino. Em algumas ocasiões o governo brasileiro ensaiou – ou encenou – alguma resistência, mas acabou sempre cedendo às pressões de Buenos Aires – na prática, dos Kirchners.

A família tem ocupado a presidência argentina desde maio de 2003, primeiro com Néstor Kirchner, depois com sua mulher, Cristina. O primeiro aliou-se ao colega brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva para torpedear o projeto da Área de Livre-Comércio das Américas (Alca). Não conseguiram evitar acordos entre os Estados Unidos e vários países latino-americanos, mas deixaram o Mercosul em desvantagem no comércio com a maior economia.

Fica mais fácil entender as prorrogações do acordo automotivo, a estagnação do Mercosul e a crescente dependência da indústria brasileira à Argentina quando se levam em conta as afinidades entre o kirchnerismo, o lulismo e o bolivarianismo. Ajustada a esse tipo de ideologia, a diplomacia econômica brasileira restringiu as possibilidades de acordos, revalorizou o protecionismo e desestimulou a busca de competitividade industrial.

Mais de 70% das exportações brasileiras do setor automotivo têm ido para o mercado argentino, sujeitando-se às consequências da política econômica dos Kirchners e seus aliados da indústria argentina. Entre janeiro e abril deste ano, as exportações automotivas do Brasil para a Argentina foram 15,6% menores que as de um ano antes. As da Argentina para o Brasil encolheram 20%. Assim funciona o acordo de incompetências. Pode ser cômodo para alguns. Não combina com ambições maiores de integração global. Membros da nova equipe econômica têm defendido esse tipo de integração. Não parecem, até agora, ter tido sucesso em Brasília.

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