Opinião

Tom Zé e o ministro

Nem a velhinha de Taubaté, que personificava a credulidade que não se abate nem mesmo diante das mais rombudas evidências, endossaria a versão do ministro

Aloysio Nunes Ferreira
Tempos estranhos estamos vivendo: enquanto escasseiam notícias sobre ações positivas do ministro da Justiça para enfrentar as pesadíssimas atribuições de sua pasta, sua agenda de audiências ocupa o centro das atenções de todos, exigindo do ministro esfalfar-se em explicações e entrevistas. O mal do Dr. Cardozo é que quanto mais se explica, mais se complica.

O fato é que o ministro reuniu-se com advogados de empresas e de empresários investigados pela operação Lava Jato para tratar com eles de assuntos relativos a esses momentosos inquéritos e processos. Os encontros com advogados da Odebrecht e da UTC foram noticiados pela imprensa.

A revista Veja relatou, inclusive, o teor da conversa do ministro com o advogado Sérgio Renault, patrono do presidente da UTC, Ricardo Pessoa, hoje encarcerado. O último número da Veja chega a asseverar que o encontro se deu por iniciativa do ministro.

Começaram aí os dissabores do Dr. Cardozo, pois, ao revelar uma parte do ocorrido, levanta dúvidas sobre o que não revela e que não teve até agora, e nem terá, explicação convincente, no que depender de Sua Excelência. Ocorreu-me, a propósito, a lembrança do samba Tô, de Tom Zé e Elton Medeiros: “eu tô te explicando pra te confundir, eu tô te confundindo pra te esclarecer”.

Que os advogados vieram tratar com ele da operação Lava Jato não pode haver dúvida. O próprio ministro admite que os advogados da Odebrecht foram à sua presença para queixar-se de alguns procedimentos da operação. Quais procedimentos? Ele não diz. Procedimentos de quem? Da Polícia Federal? Ora, a Polícia Federal, no caso, age sob as ordens da Justiça Federal, e não do ministro.

E se as ordens não foram cumpridas, com rigor e nos limites traçados pelo juiz, cabia uma representação perante a Corregedoria para apurar eventuais desvios. Onde está a representação?

O ministro se cala sobre as perguntas que não querem calar, alegando sigilo. Ora, se o sigilo cobre o inquérito, e não eventuais infrações funcionais cometidas por agentes da PF, deduz-se que os advogados foram mesmo é tratar das estratégias de condução do inquérito. E essa é uma conversa que não poderia ter ocorrido, pois o ministro da Justiça é figura estranha a um inquérito que é conduzido pela Polícia Judiciária da Polícia Federal.

Além disso, esses encontros ocorreram em descumprimento das normas legais que disciplinam as audiências concedidas por ministros de Estado a particulares, com o objetivo de garantir-lhes publicidade e transparência.

Na polêmica sobre a agenda, Dr. Cardozo habilmente tenta concentrar as atenções sobre a reunião com os advogados da Odebrecht que, de qualquer maneira, fora registrada em seu gabinete, ainda que sob a vaga designação de “visita institucional”.

A porca torce o rabo, no entanto, quando se trata da audiência não registrada previamente na agenda: aquela concedida a Sérgio Renault, advogado do presidente da UTC e em cujo escritório se articulava a defesa conjunta dos empresários envolvidos no Petrolão.

Nem a velhinha de Taubaté, genial criação de Sérgio Porto que personificava a credulidade que não se abate nem mesmo diante das mais rombudas evidências, endossaria a versão do ministro: um encontro casual onde ele e Renault trataram breves cumprimentos.

Que encontro casual é esse na antessala do ministro?

Ora, a menos que as reportagens de Veja e da Folha fossem obras de rematados ficcionistas, tratou-se mesmo de um encontro com o objetivo de apaziguar os ânimos do empresário Ricardo Pessoa que, diante da perspectiva de vir a apodrecer na prisão, estaria a ponto de fazer uma delação premiada, demolidora para o PT.

Somente três pessoas participaram desse “encontro casual”: Cardozo, Renault e o advogado Sigmaringa Seixas, velho amigo de Lula e pessoa, aliás, a quem eu respeito.

Quem teria levado à direção da UTC as palavras apaziguadoras atribuídas ao ministro, com uma previsão, inclusive, de uma reviravolta no caso depois do carnaval, graças a uma intervenção providencial de Lula? Pouco importa. O fato é que o simples noticiário surtiu, pelo menos por agora, o efeito desejado pelos personagens políticos que teriam muito a perder com a delação de Pessoa.

Chego mesmo a supor que o objetivo do “encontro casual” foi provocar um efeito calmante na carceragem da Polícia Federal de Curitiba, a partir da publicização do fato. 

Isso porque a intervenção do Dr. Cardozo na condução do inquérito é uma hipótese implausível, não apenas pelo fato de o inquérito não estar institucionalmente subordinado ao ministro, mas, sobretudo, pela altivez profissional com que os investigadores e a Justiça Federal têm se conduzido até agora.

Já que nem eu nem as torcidas reunidas do Corinthians e do Flamengo acreditamos na “troca de cumprimentos em encontro casual”, concluo que o ministro foi no mínimo imprudente ao conceder tal audiência nessa melindrosa conjuntura.

Não ajuda ao ministro a tentativa de seduzir o espírito de corpo dos advogados. Se é normal, numa democracia, que ministros recebam advogados, somente numa democracia doente pode-se tolerar conchavos às escondidas entre autoridades públicas e advogados de réus com o objetivo de obstaculizar o andamento da Justiça.

Foi isso o que, de fato, aconteceu?

Concedo ao ministro o beneficio da dúvida, e darei a ele a ocasião de pôr tudo em pratos limpos perante a Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Original aqui

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