Opinião

Em jornalismo, recordar é viver

Leão Serva
Em 1992, escrevi para a Folha reportagem sob o título "Verdes tentam salvar mogno da Amazônia" (10/5/1992). Tratava de uma campanha lançada no Reino Unido propondo o boicote à madeira brasileira retirada ilegalmente da floresta, roubada a comunidades indígenas. Havia ameaça de extinção dessa madeira nobre no Pará. No texto, narrei também uma negociação com madeireiros que, embora ilegal, ocorrera no escritório da Funai em Altamira.

Poucos dias depois, o líder madeireiro Danilo Olivo Carlotto Remor enviou carta ao Painel do Leitor (3/6/1992), negou que o corte de árvores pudesse afetar o equilíbrio da floresta, disse que os índios pressionavam as empresas, que a exploração era benigna, que a mata se regenerava e que a atividade econômica se baseava no manejo sustentável.

Passados 20 anos, quando o Pará ostentava seguidamente os piores índices de destruição da Amazônia e o sistema climático da região já dava sinais do esgotamento que testemunhamos com a crise hídrica no Sudeste, decidi procurar o senhor Danilo Remor para confrontar o resultado trágico da exploração da floresta com suas projeções róseas. O futuro o condenara. Mas infelizmente, o empresário já havia falecido. Não pode ser cobrado.

Assim como os empresários do tabaco passaram quase todo o século 20 refutando os estudos que vinculavam o cigarro ao câncer, boa parte do establishment brasileiro vem fazendo o mesmo com os dados alarmantes apresentados por estudos de climatologistas. A falta de água em São Paulo, por exemplo, só surpreendeu a quem não acreditou nos trabalhos que mostravam que a maior parte da chuva no Sudeste vem da Amazônia; que o desmatamento resseca a floresta e com isso menos umidade se transpõe.

Lembrei do episódio ao ler a carta de Cesario Ramalho da Silva, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (Painel do Leitor, 26/11/2014) sobre minha coluna "Agronegócio e a morte da Amazônia", publicada dois dias antes. Ele define meu texto como um "embuste", que atenta contra a inteligência do leitor e desconhece todos os benefícios que atividade agropecuária traz para o país. Termina dizendo: "Em um país que devolve ao mar 99% da água que cai em sua superfície".

Espero não ter que esperar 20 anos e nem mesmo terei prazer de provar que o senhor Cesario erra. Seu engano ameaça o país. O agronegócio brasileiro tem méritos sim, mas sua atuação na Amazônia é destrutiva e, ao lado dos madeireiros como Danilo Remor, forma a vanguarda da destruição. Seu método deletério já foi estudado e está bem documentado, meu texto não traz novidade quanto a isso. O empresário usa o método da indústria do fumo contra o câncer de pulmão para ganhar tempo ou negar o óbvio.

Já a sua frase final é absolutamente non sense. E é reveladora de como é possível sim usar números para criar embustes: no sistema amazônico, cerca de 50% da água da chuva vai para o rio (e de lá para o mar) e outra metade fica retida na mata, o que a torna "floresta úmida", como é definida. Quando ocorre o desmatamento, aumenta o percentual de água que vai para o rio e de lá para o mar. Quando tivermos 99% de água de chuva indo direto para o mar, vamos viver em um Saara. No sonho do empresário, talvez as dunas sejam montanhas de soja, esses grãos baratos que alimentam porcos na China. Tomara que antes de 20 anos possamos corrigir o defeito estrutural de nosso agronegócio e passar a ganhar dinheiro com a floresta de pé. Quem viver, verá uma coisa ou outra.

Original aqui

Twitter 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu