Opinião

Tudo o que não sabemos

Fernando Gabeira
Queria compartilhar alguns momentos de minha semana. Compartilhar é muito comum nas redes sociais. Não sei se mereço a generosidade do verbo, porque recebo dinheiro por isso. Compartilhando textos e imagens sou um cara da classe média: fascista, violento e ignorante, segundo a definição da filósofa Marilena Chaui.

Fascista porque é o nome genérico de quem não vota no governo que a filósofa defende. Violento porque dou empurrões nos gatos, quando pulam na cama antes do amanhecer, ignorante porque passei a semana inteira às voltas com a enormidade do que não sei.

Fui a São Paulo entrevistar o norte-americano Brian Greene, autor da Teoria das Cordas, um dos mais brilhantes cientistas de sua geração. Além de teórico, dedica-se a traduzir a ciência em livros, séries de TV e dois cursos de física quântica em seu site.

Um dos grandes produtos da revolução científica foi a aparição desses escritores que tentam estabelecer uma ponte entre os complexos problemas da física e o grande público.

Constituem o que C. P. Snow denominou de Terceira Cultura. Ocupam um espaço cada vez maior e, às vezes, respondem questões que a filosofia e a cultura humanista não respondem. Usando a ignorância como plataforma, perguntei a Brian Greene algo que todos sabemos: o que é o tempo?

Numa longa resposta, mostrou como o tempo pode se desdobrar de formas diferentes na física quântica e me lembrei de uma de suas aparições na TV, em que David Letterman queria saber como é possível viajar ao futuro. Greene, ao concluir a resposta que me deu, disse que, de uma certa maneira, Santo Agostinho tinha razão: sabemos o que é tempo, mas é difícil defini-lo.

Nesses contatos com grandes cientistas a gente percebe que acreditam na possibilidade de uma explicação última do universo e que trabalham para isso.

Temos uma angústia humana de saber tudo. Um dos temas da entrevista: qual o limite da matemática para explicar fenômenos sociais no futuro?

A questão do saber ou não saber existe em todos nós. Observando o discurso de Marilena Chaui percebi que falava ignorância com muita raiva. Aprendi no caminho que, às vezes, ficamos bravos porque algo que nos desagrada do lado de fora está também dentro da gente. Se o PT levar para a política de ensino a raiva de Marilena Chaui, vai acabar com o analfabetismo à porrada no Brasil.

Revi o discurso da Chaui num quarto de hotel e minha cabeça procurou asilo num verso de Murilo Mendes: “…um estado de bagunça transcendente”.

Um ato público com dois homens sentados no sofá e a filósofa curvando-se como uma cantora de blues: eu detesto a classe média.

Um dos homens no sofá era o líder máximo, vestido de vermelho. Quando foi à França queria convencer os franceses de que era da classe média e gostaria de levar os pobres para esse destino.

Filósofa: — Você é o nosso operário. Não pode ser da classe média. Se os sujeitos da História vão pra classe média, a história fica sem sujeito, corre solta.

Líder: — Não sabia que estava no caminho errado. Chegamos à classe média por engano. Vou trocar a placa. E você vai pra Paris explicar a mudança aos franceses. Dará uma boa discussão.

Na plateia de camisas vermelhas, um que veio do interior para o encontro comenta no ouvido do amigo: — Cara, acho que vamos perder em São Paulo. Vi muitas camisetas pretas. E o preto, você sabe, era a cor dos inimigos.

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O último refúgio para minha cabeça é me exilar no verso do grande poeta de Juiz de Fora Murilo Mendes: “…um estado de bagunça transcendente”.

Volto à animação:

O líder suando nos bastidores: — O que fazer com todos os meus ternos de grife, meu apartamento de classe média?

Filósofa, jogando o xale branco nas costas: — Fica firme. Você tem de esquecer que é da classe média.

Líder enxugando o suor: — Não vou ficar com essa camisa vermelha a semana inteira. Quero comer num lugar legal. Vamos fazer uma coisa: visto meu melhor terno, vou a um bom restaurante e, ao encontrar os fascistas violentos e ignorantes, dou uma bronca neles. Depois da sobremesa. Tá legal?

Filósofa: — Bela solução. Você é iluminado. Não é a toa que nosso partido tem tantos postes no governo, uma nova geração de postes ja está a caminho, e ficaremos no poder 20 anos-luz.

Líder: — Preciso trocar a placa, um novo nome. Se não viemos para a classe média, onde estamos afinal?

Filósofa: — No paraíso. A classe operária entra no paraíso. Temos bons marqueteiros, belas imagens, uma grana garantida para os blogueiros. Não se iluda, meu caro: sempre haverá serpentes dizendo que a classe média produz grande parte do conhecimento, que o fascismo é coisa do século passado. São as serpentes da ignorância.

Líder: — Prometo recusar todas as maçãs, companheira. Mesmo porque somos patrocinados pela carne de boi. No meu paraíso todos comem carne de boi, até cantor vegetariano.

Original aqui

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