Opinião

A ameaça da escassez da água

O Estado de S.Paulo
A seca atual apenas deu cores ainda mais vivas e dramáticas ao problema do abastecimento de água das grandes cidades, cuja solução depende de obras que se arrastam e, se não forem aceleradas, podem levar à escassez crônica. Uma advertência nesse sentido, a respeito da situação das dez maiores regiões metropolitanas do País, foi feita já em 2011 pela Agência Nacional de Águas (ANA), que propôs aos governos federal e estaduais um esforço maior para evitar que prognósticos pessimistas se concretizassem.

Levantamento feito pelo jornal O Globo mostra que os conselhos da Agência não foram seguidos, pelo menos não na medida necessária, pois apenas 5 das 16 obras de maior importância a serem executadas naquelas regiões foram concluídas. Entre essas está o chamado Eixão das Águas, no Ceará - um canal de 255 quilômetros, ao custo de R$ 1,5 bilhão, para levar água do Açude Castanhão, no interior, até Fortaleza. Ele deve garantir o abastecimento da região metropolitana até 2030. É de lamentar apenas que sua construção tenha demorado 12 anos. Se esse padrão for observado nas demais obras, a crise será inevitável.

Outras obras já entregues são a reforma e adaptação da Estação de Tratamento do Guandu, no Rio de Janeiro, que abastece 70% da cidade com água captada no Rio Paraíba do Sul, e em São Paulo a do reforço do Sistema Alto Tietê, que responde pelo abastecimento de 4 milhões de habitantes da região metropolitana.

As demais ou ainda estão em andamento ou nem ao menos começaram. Nos dois casos existem obras em regiões as mais diferentes do País - Porto Alegre, Distrito Federal, Recife, Salvador, Fortaleza, Curitiba, São Paulo e Campinas. Os números mostram um quadro desanimador, pois a conclusão dos especialistas da ANA é a de que, a menos que sejam concluídos os projetos de maior relevância até 2015, aproximadamente 30% da população brasileira - nas regiões afetadas vivem 62,5 milhões de habitantes - se verão às voltas com a escassez de água a partir de 2025.

Durante muito tempo, um dos principais entraves à execução, pelo menos na medida necessária, de obras destinadas ao abastecimento de água e de saneamento básico - coleta e tratamento de esgotos - era o seu pouco apelo eleitoral, já que são caras, mas nem um pouco vistosas. Embora o mesmo ainda não se possa dizer do saneamento, no qual as carências do País continuam enormes e as obras caminhem a passos muito lentos, a situação mudou bastante no caso da água.

Recursos cada vez mais importantes vêm sendo destinados à solução do problema, tanto pelos governos estaduais como pelo federal. Por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a União financia 12 daquelas 16 obras de maior vulto nas principais regiões metropolitanas. Embora não esteja sobrando dinheiro - até porque a necessidade de buscar água cada vez mais longe das grandes cidades exige vultosos investimentos -, especialistas afirmam que o atraso das obras está ligado também, quando não principalmente, à demora na obtenção de licenças ambientais e na conclusão do processo licitatório, assim como na dificuldade técnica de tocar projetos de grande porte.

Em Porto Alegre, para citar só um exemplo, o Departamento de Água e Esgotos da Prefeitura aguarda há três anos a licença ambiental necessária para tocar o projeto de captação de água no delta do Rio Jacuí, ao custo de R$ 86 milhões. Em outros casos, como no do Rio de Janeiro, a dificuldade não está na falta de recursos nem na oferta de água, mas na poluição das águas que chegam por meio do sistema Guandu.

Questões como essas precisam, portanto, merecer maior atenção dentro do planejamento das obras do setor. Além disso, só uma ação conjunta da União e dos Estados, com medidas mais ousadas, será capaz de acelerar as obras já programadas e evitar o perigo da escassez na próxima década, para o qual a ANA chama a atenção. A grande lição da seca atual, que vem assustando muitas grandes cidades, é que nesse setor ser previdente é um elemento-chave, pois não há como improvisar soluções.

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