Opinião

De novo, Ciência sem Fronteiras

O Estado de S.Paulo
Lançado em 2011 com o objetivo de internacionalizar o sistema de ensino brasileiro, oferecer intercâmbio para docentes e pesquisadores estrangeiros e reduzir a distância entre as universidades nacionais e as de outros países mais bem classificadas nos rankings comparativos de qualidade de ensino, o Ciência sem Fronteiras apresenta um número cada vez maior de problemas de gestão, o que pode comprometer seu sucesso.

Os primeiros problemas envolveram atrasos no depósito das bolsas e auxílio-alimentação dos bolsistas. Como ficaram sem recursos para pagar aluguel e comer, algumas universidades britânicas tiveram de oferecer empréstimos de emergência aos estudantes brasileiros. Em seguida, descobriu-se que o governo mandou para o exterior milhares de bolsistas que não tinham condição de assistir às aulas e de participar de experiências compartilhadas em laboratórios, por falta de fluência em inglês. As autoridades educacionais tentaram realocar esses estudantes em universidades portuguesas, mas constataram que havia excesso de demanda para essas instituições e suspenderam o programa para Portugal. Depois, por discordar dos critérios adotados pelo governo para a seleção de bolsistas, a iniciativa privada deixou de bancar todas as bolsas que havia prometido em 2011.

Agora, depois de três anos de funcionamento, sabe-se que o Ciência sem Fronteiras também não vem conseguindo atrair para o Brasil cientistas de outras nacionalidades e pesquisadores brasileiros que atuam em países desenvolvidos. A informação consta da ata da 10.ª reunião do comitê executivo do programa. Das 101 mil bolsas para serem distribuídas entre 2011 e 2014, cerca de 2 mil são destinadas para "pesquisador visitante especial", com o objetivo de trazer professores e pesquisadores estrangeiros que tenham "liderança internacional". Outras 2 mil bolsas são destinadas ao que os dois órgãos que lideram o programa - a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - chamam de "jovens talentos". Ou cientistas brasileiros em início de carreira que, depois de obtido o doutorado no exterior, decidiram não voltar para o País, por falta de condições de trabalho e de estímulo no ambiente acadêmico nacional.

Para tentar contornar o problema, as autoridades educacionais chegaram a cogitar a possibilidade de incluir na categoria dos "jovens talentos" os pós-doutorandos brasileiros que foram para o exterior pelo Ciência sem Fronteiras. Mas, quando receberam a bolsa de pós-doutorado, eles assinaram um contrato com a Capes e o CNPq comprometendo-se a retornar ao País logo após o término dos estudos. Em outras palavras, como têm a obrigação legal de voltar, esses pós-doutorados não estão sendo "atraídos", como pretende o programa. Por isso, os dois órgãos de fomento à pesquisa descartaram essa "solução".

A proposta de aumentar a presença de pós-graduandos brasileiros em instituições de excelência no exterior e atrair cientistas estrangeiros para trabalharem no País é decisiva para melhorar a qualidade do ensino. "Ela rompe com décadas de isolamento de nossos cursos de pós-graduação, o que levou a um sistema autorreferente e atrasado em relação ao que se ensina no resto do mundo", afirma Leandro Tessler, professor de física da Unicamp.

Mas, do modo atabalhoado como o Ciência sem Fronteiras foi posto em prática, seu desempenho ficará muito aquém do esperado. "O grande nó é a quantidade de bolsas. De onde saiu esse número de mais de 100 mil bolsas? Era melhor ter feito um programa menor, mas com um processo seletivo mais rigoroso", diz o ex-reitor de graduação da Unicamp Marcelo Knobel, no que tem inteira razão. E também lembra, acertadamente, que, por estarem ainda num estágio inicial de formação acadêmica, muitos bolsistas não têm a maturidade necessária para desenvolver projetos de pesquisa no exterior. Infelizmente, é de forma inepta que a educação pública tem sido gerida no Brasil.

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