Ubatuba em foco

Crônicas Caiçáricas

Renato Nunes

Em 1999 escrevi algumas histórias baseadas em situações locais, realidades do nosso município, de nossa gente, dentro de uma série que chamei, para meu uso, de Crônicas Caiçáricas. Algumas foram publicadas, outras, por diversas razões, ficaram armazenadas na memória do computador.  Outro dia tentando reordenar todos os meus escritos dei de cara com o texto abaixo que agora quero publicar.
Embora a história seja velha, o governador citado já morreu e o prefeito a quem dirigi a sugestão era apenas um vereador que ocupou por breve e interessante período o cargo de chefe do executivo durante o afastamento judicial dos titulares, mas o que me chamou a atenção é a persistência do problema. Todos nos acostumamos a ele e sendo assim, parece que deixou de ser problema. Será?
Para refletir, aí vai a história:


O Andrade e o Governador
                                                                                                                   
Num desses fins de tarde eu estava debruçado no peitoril da plataforma do nosso engraçado farol, que não faroleia mas, como símbolo em miniatura dos grandes faróis conhecidos no mundo, ilude como se faroleasse. Já saiu até em cartão postal. “Olha lá o farol de Ubatuba”, gritam os visitantes logo depois de se deixarem fotografar dando as mãos à estátua do padre Anchieta, como se fosse com ele próprio, em vida.
Me ocorreu que as pessoas se deixam conduzir por histórias, explicações e imagens distantes, tomando-as por verdades inquestionáveis porque assim ficam livres da responsabilidade de tomar iniciativas para mudar as coisas. Viramos as costas para a realidade amparados na ficção. Nesse momento vi à minha frente, e era uma cena muito real, um velho pescador que lutava contra as ondas para entrar com seu pequeno barco nas águas amalucadas do canal. Várias pessoas torciam por ele sem saber que a culpa daquele risco desenfreado que já havia posto a pique inúmeros barcos pesqueiros não era do mar em sua inclemente ressaca, mas dos homens que têm governado esta cidade.  Movidos pela demagogia e pela vaidade do poder prometem tudo antes das eleições e, depois, atolados numa pseudo política que camufla sua incapacidade administrativa, deixam escoar o mandato preocupados apenas em semear as raízes de sua perpetuação no cargo. Essa é a medíocre prática política no Brasil, criar bases eleitorais a qualquer custo e manterem-se como líderes de vento para soprar forte nas eleições seguintes.
Há mais de vinte anos, quando fizeram o enrocamento que configurou o canal de entrada da barra dos pescadores, sabia-se que seu fundo iria ser reduzido pela deposição de areia decorrente do distanciamento da boca de saída da correnteza de vazante. É uma questão de maré mais do que conhecida, o fundo raso faz a energia que se desloca nas águas explodir na superfície. A velha solução é fazer a dragagem do fundo do canal de tempos em tempos, porém, os administradores da cidade sempre prometeram, foram eleitos e nunca fizeram. O velho pescador, valendo-se de sua experiência conseguiu se safar desta vez, para alegria e aplausos das pessoas que o observavam.
Quem sabe o Andrade que nunca prometeu nada para ser prefeito, resolvesse, num golpe de mestre, ligar pessoalmente para o Governador, sem intermediários, nem municipais nem estaduais muito menos deputados, e exigir firme mas educadamente : “Governador, a dragagem dos rios e barras é da responsabilidade do Estado, não podemos mais ser ignorados e desconsiderados pelos políticos e pelo governo.  Mande dragar a barra dos pescadores em uma semana senão perderemos mais embarcações e veremos aumentadas as aflições de muitas famílias nesta época difícil. O custo é ridículo para o Estado e o resultado é enorme para o município. Dragagem já, Viva Ubatuba!”
Tenho certeza que o Governador Mário Covas o atenderia, porque provavelmente essa reivindicação nunca lhe chegou aos ouvidos, foi sempre barganha política de segundo escalão, guardada como promessa eleitoral.
Seria uma boa maneira de testar a quebra da inércia histórica que nos ilude e nos torna vítimas conformadas de obstáculos fictícios, e de procurar, também, direcionar nossa realidade através de ações e exigências reais construídas com a população.
Poderíamos criar uma nova maneira de fazer política nesta cidade, basta o Andrade querer, bom senso já mostrou que tem!

Renato Nunes
12/junho/1999

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