Opinião

A hora da verdade para a saúde

O Estado de S.Paulo
O reajuste acima da inflação dos planos de saúde individuais e familiares - contratados a partir de janeiro de 1999, ou adaptados à Lei 9.656/98, que regulamentou os planos - chama a atenção para o futuro do setor de saúde privada, no qual eles ocupam posição importante. Se os aumentos seguirem essa progressão, esse tipo de plano tende a se tornar inacessível. Para este ano, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) autorizou um reajuste de 9,04%, que é o maior dos últimos oito anos. Ele ficou 2,55 pontos porcentuais acima do índice oficial da inflação, o IPCA, de 6,49%, no acumulado de 12 meses até abril.

O aumento, que foi imediatamente criticado por especialistas e entidades de defesa do consumidor, afeta 8,4 milhões de pessoas, que representam 17,6% do total de brasileiros que têm planos de saúde. Lembra a economista Ione Amorim, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que o valor acumulado do IPCA de 2003 a 2013 é de 99,86% e o índice acumulado dos reajustes autorizados pela ANS no mesmo período é bem superior - de 139,24%.

Mas o alvo principal das críticas - que as autoridades da área de saúde deveriam levar em conta - é o método empregado pela ANS para definir o reajuste dos planos individuais. Ele considera a média dos porcentuais aplicados pelas operadoras aos planos coletivos com mais de 30 beneficiários, que sofreram aumentos entre 15% e 20%. Segundo o advogado Julius Conforti, não faz sentido a ANS calcular uma média sobre algo que ela não controla, já que os aumentos dos planos coletivos são negociados pelas operadoras diretamente com as empresas que os contratam, sem qualquer interferência da agência.

Neste ano, a ANS afirma ter levado em conta também outros fatores, sendo o principal deles a inclusão de 60 novos procedimentos médicos no rol de coberturas obrigatórias dos planos individuais. Argumento que também não convence. Outra especialista, a advogada Renata Vilhena, afirma que antes de tais procedimentos entrarem naquele rol deve haver tanto uma ampla discussão a respeito como uma análise do seu impacto nos custos.

Todos concordam que a situação dos usuários de planos individuais - e a dos planos coletivos não é muito diferente - é grave, porque eles enfrentam uma combinação de fortes aumentos com baixa qualidade do atendimento. Continua elevado o número de reclamações sobre negativas de atendimento, descredenciamento frequente de médicos e laboratórios, além de prazos longos para a marcação de consultas, exames e cirurgias. Neste último caso, bem que a ANS tentou ajudar, fixando prazos máximos para atendimento. Mas essa medida tem alcance limitado, porque a rede de médicos, laboratórios e hospitais é pequena para atender à demanda e este é um obstáculo que simples medidas administrativas não podem remover.

Em resumo, os usuários de planos de saúde pagam cada vez mais caro por um serviço cada vez pior. O caso dos planos individuais é ainda mais preocupante, porque, apesar de seus aumentos ficarem acima da inflação, as operadoras continuam descontentes com o controle que sobre eles exerce a ANS. Por isso, muitas operadoras não se interessam mais por eles nem os vendem mais.

Como ficarão milhares de pessoas que deles precisam? E o que dizer dos usuários, muito mais numerosos, dos planos coletivos, às voltas com um atendimento que, por sua demora, se aproxima cada vez mais do SUS?

Sucessivos governos acreditaram que, com os planos de saúde atendendo boa parte da população, poderiam deixar de investir na ampliação e na melhoria da rede de saúde pública, que hoje é o que todos sabem. Essa foi uma aposta desastrada, como mostra o quadro nada animador da saúde privada, cujos usuários em muitos casos já começam a procurar o SUS. Chegou a hora da verdade, e ela é amarga. Recuperar o tempo perdido, com investimentos maciços no SUS, numa fase pouco brilhante da economia, não será nada fácil.

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