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Standard & Poor’s: agência de risco sem credibilidade

Márcia Denser
O jornalista Saul Leblon, no editorial da Carta Maior da semana passada, novamente acerta na mosca ao desancar a (má) avaliação feita do Brasil pela Standard & Poor’s, aliás festejadíssima pelo eterno Febeapá – Festival de besteiras que assola o país – e a mídia entreguista idem.

Diz Saul que, finalmente, a Standard & Poor’s, agência de risco internacional, atende aos clamores da mídia brasileira (o chamado PIG – Partido da Imprensa Golpista) e endossa o veredicto para o Brasil como país em “espiral descendente”. Eis o critério: avalia-se com indiferença o vigor do mercado doméstico, desdenha-se as obras de infraestrutura e logística social em marcha na economia, só conta o “saldo negativo” de mais um governo “gastador e intervencionista”.

Inflação em baixa? Investimento em alta? Bobagens. Nada mereceu o destaque atribuído ao carimbo negativo com o qual a Standard & Poor’s revisou a “perspectiva da nota de longo prazo” atribuída ao país. É o velho truque da profecia autorrealizável, que os tambores locais endossam e engrossam. Aliás, o chute da Standard & Poor’s ecoa como uma espécie de 11º mandamento da ortodoxia reinante e as trombetas apocalípticas do PIG ressoam funereamente em coro, com fumaças de sentença inapelável.

Ignora-se a folha corrida da fonte, tanto quanto sua credibilidade. A ortodoxia e a causa comum tudo justificam. Ou seja: curvar o Brasil atual (agora com Dilma) no altar dos mercados internacionais; interditar a formação do discernimento da sociedade sobre os problemas reais vividos pela transição do desenvolvimento brasileiro.

Paul Krugman, em artigo recente com o sugestivo título “Credibilidade, cara-de-pau e dívida”, diz: “Para compreender todo o furor envolvendo a decisão da Standard & Poor’s, a agência de classificação de crédito, de rebaixar a nota dos títulos da dívida americana, é preciso ter em mente duas ideias aparentemente (mas não de fato) contraditórias. A primeira é que os Estados Unidos não são mais o país estável e confiável de antes. A segunda é que a própria S&P goza de credibilidade ainda menor: é o último lugar de onde alguém deveria esperar avaliações sobre as perspectivas do país.”

Comecemos com a falta de credibilidade da S&P.

Se há uma expressão, que descreve a decisão da agência de classificação de crédito de rebaixar a nota dos EUA, esta é a cara de pau – definida pelo engraçadíssimo exemplo do jovem que mata os pais e depois implora por clemência alegando ser órfão.

Afinal, o imenso déficit orçamentário dos EUA é em grande parte resultado de um declínio econômico que se seguiu à crise financeira de 2008. E a S&P, juntamente com as demais agências de classificação de crédito, desempenhou papel importantíssimo na precipitação dessa crise, concedendo notas AAA a ativos lastreados em hipotecas que desde então se transformaram em lixo tóxico.

Mas as avaliações incompetentes não pararam por aí. Num episódio agora famoso, a S&P concedeu ao Lehman Brothers, cujo colapso deu início a um pânico global, uma nota A até o mês da sua quebra. E qual foi a reação da agência depois que esta empresa foi à falência? Ora, a S&P publicou um relatório negando qualquer erro.

E são estas as pessoas que agora dão sua eminente opinião sobre a credibilidade dos Estados Unidos? (De forma que vocês imaginem o resto, Brasil incluído)

E a coisa não para por aí. Antes de rebaixar a nota da dívida americana, a S&P enviou ao Tesouro dos EUA um rascunho do seu comunicado à imprensa. Os funcionários americanos logo repararam num erro de US$ 2 trilhões nos cálculos, algo que qualquer especialista em orçamento teria calculado corretamente. Depois de certo debate, a S&P reconheceu o erro e rebaixou a nota mesmo assim. Num ponto mais amplo, as agências de classificação de crédito nunca deram a ninguém motivo para levar a sério suas opiniões sobre a solvência nacional. É verdade que, em geral, os países que declararam moratória tiveram suas notas rebaixadas antes da consumação desse fato.

Mas, nesses casos, as agências de classificação apenas seguiram os mercados, que já tinham se voltado contra tais devedores problemáticos. E, nos raros casos em que as agências rebaixaram a nota de países que ainda tinham a confiança dos investidores – como os EUA hoje -, elas se mostraram equivocadas. O caso do Japão, que teve a nota de sua dívida rebaixada pela S&P em 2002, só por si foi lapidar: nove anos mais tarde, o Japão ainda consegue obter empréstimos com facilidade e a juros baixos. Na verdade, atualmente, os juros sobre as obrigações japonesas com prazo de dez anos, são de apenas 1%.

Assim, não há motivo para levar a sério o rebaixamento da nota da dívida americana, tanto quanto a má avaliação brasileira. Afinal, estamos falando das últimas pessoas de quem deveríamos aceitar conselhos. Leia-se aqui também os jornalões do PIG, principalmente os jornalões do PIG.

Publicado originalmente no "congressoemfoco"

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