Opinião

Professores faltosos

O Estado de S.Paulo
Os professores da rede estadual de ensino em São Paulo faltaram no ano passado, em média, 27 dias, o que representa cerca de 10% dos dias letivos obrigatórios por lei. Os dados, publicados pelo Estado (4/4), são da Secretaria da Educação e revelam uma situação inaceitável, sintomática do quadro geral de indigência a que está relegada a educação pública.

O presidente do Centro do Professorado Paulista, José Maria Cancelliero, diz que um dos motivos que levam os professores a faltar é o baixo valor da hora-aula na rede estadual, em torno de R$ 9. Segundo ele, um professor que dá aula em mais de uma escola muitas vezes prefere faltar em uma delas a gastar o dinheiro da condução, porque "não compensa". Já os alunos que ficaram em vão esperando pelo professor que se lixem.

É fato que o salário dos professores é o mais baixo entre os profissionais de nível superior. Em alguns casos, uma empregada doméstica, agora com seus direitos trabalhistas plenamente assegurados, ganha mais do que um professor da rede pública. Essa distorção é obviamente um dos motivos pelos quais pouca gente consegue responder à questão levantada pelo representante dos diretores das escolas, Francisco Antônio Poli: "A pergunta hoje é: quem quer ser professor? A resposta é: o idealista, ou aquele que não tem outra opção" - isto é, aquele que não conseguiu entrar em boas faculdades para seguir carreiras mais disputadas.

A presidente da Apeoesp, o sindicato dos professores do Estado, Maria Izabel Noronha, queixou-se ainda do aumento da carga horária e do estresse: "O professor já não aguenta mais". No entanto, outras profissões são igualmente desgastantes e mal remuneradas, mas não registram tamanho índice de ausência no trabalho - uma ausência que, ademais, prejudica dezenas de estudantes de uma só vez.

O problema maior é a cultura da precariedade na educação, em que se aceita como incontornável o fato de que a escola pública é ruim e não vai mudar. Diante disso, os professores faltosos não são sequer punidos pelas escolas. Já os professores que se empenham em seu trabalho se sentem injustiçados e, por fim, impelidos a aderir a esse pacto de mediocridade.

Além disso, os professores da rede pública têm o direito de faltar seis vezes no ano, e esse abono acaba se tornando um benefício oferecido nas negociações salariais para compensar os baixos vencimentos - é como se as seis faltas já fossem parte da remuneração, e não fruto de uma eventualidade.

A ausência do professor é admitida em contrato, como se ele não fosse necessário todos os dias do ano letivo. Ao aceitarem tal aberração, os professores contribuem para a desvalorização de sua profissão.

Quando um professor falta e não há um substituto, situação que acontece com frequência, os alunos ficam vagando pelo pátio, sem que a escola tenha estrutura e planejamento para aproveitar o eventual tempo livre com atividades educativas. Perdem-se preciosas oportunidades com isso e, pior, se cria um ambiente em que a ausência do professor é um dado da realidade.

"A professora ficou de licença duas vezes, depois deixou de ir. Todos os dias que tínhamos aulas de química, saíamos mais cedo. No final, todo mundo passou, sem ter feito nenhuma prova", relatou ao Estado uma aluna do 1.º ano do ensino médio de uma escola da zona sul de São Paulo. Situações como essa se repetem em praticamente toda a rede pública.

Não há por que duvidar que muitos professores faltam em razão do problemas de saúde, mas ninguém é obrigado a permanecer num emprego em que se sinta prejudicado. Uma vez que, a despeito das dificuldades, decida continuar dando aulas, o professor, como qualquer outro profissional, deve cumprir rigorosamente suas obrigações, pois os alunos não têm nada a ver com seus problemas pessoais.

Uma coisa é reconhecer as precárias condições de trabalho dos professores e cobrar das autoridades que mudem essa situação vexatória; outra, muito diferente, é aceitar que os professores comprometam o futuro de milhares de alunos com suas ausências frequentes.

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