Opinião

Entre a boa intenção e a realidade

O Estado de S.Paulo
A Emenda Constitucional n.º 59, aprovada em 2009, tornou a "educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade", o que engloba a pré-escola, o ensino fundamental e o médio. Antes, essa exigência se limitava ao fundamental. Nada mais natural, portanto, que o Congresso tenha aprovado lei, sancionada pela presidente Dilma Rousseff, estabelecendo ser um dever dos pais e responsáveis matricular as crianças na pré-escola a partir dos 4 anos. A pré-escola deverá ter carga horária mínima de 800 horas por ano de, no mínimo, 200 dias letivos.

Ninguém discute que a intenção é a melhor possível. E não só porque os especialistas ressaltam a importância da medida para a educação das crianças. É também porque a creche é um lugar seguro para as mães deixarem seus filhos para poder trabalhar fora, especialmente nas grandes cidades. E um grande número de famílias depende da renda das mães. Mas salta aos olhos o irrealismo de aplicá-la a partir de 2016, como pretende o governo, tendo em vista o enorme déficit de vagas em creches existente em todo o País.

Diz o Ministério da Educação que até 2016 municípios - de quem é a responsabilidade pela pré-escola - e Estados deverão tomar as medidas necessárias para garantir a oferta de vagas para crianças e jovens entre 4 e 17 anos. Falar é fácil. Fazer é outra coisa, como mostra a própria experiência muito recente da presidente Dilma. Todos ainda se recordam que durante sua campanha eleitoral ela garantiu que construiria 6.427 creches em quatro anos. Não era apenas o fato de que isso significava inaugurar cinco delas por dia que mostrava a enorme dificuldade de transformar a promessa em realidade. Era também o fato - igualmente importante - de que isso não dependia apenas do governo federal, mas principalmente dos municípios. O resultado foi que, ao se completar dois anos de seu mandato, só 10 daquelas creches haviam sido entregues.

Mesmo que as 6.427 creches estivessem sendo construídas num ritmo que garantisse a entrega de todas elas até o fim do mandato de Dilma, em 2014, isto estaria longe de resolver o problema, porque o déficit desses estabelecimentos em todo o País é estimado em cerca de 20 mil. Isso é consequência de um enorme atraso acumulado ao longo das últimas décadas. O exemplo da cidade de São Paulo é bem ilustrativo.

Entra governo e sai governo, o déficit de vagas em creches na capital paulista oscila em torno de 100 mil. Atualmente, há 94 mil crianças cadastradas à espera de vagas. Mas, como há famílias que já se cansaram de buscar um lugar, estima-se que o déficit real ultrapasse os 100 mil. Todos os prefeitos que se sucederam nas últimas décadas construíram creches, só que muito abaixo, tanto da necessidade no momento em que fizeram suas promessas como do crescimento da demanda a partir de então. É isso que explica o déficit crônico em torno daquele número.

É muito duvidoso - para dizer o mínimo - que, com esse histórico, São Paulo consiga cumprir a nova lei até 2016. Se isso acontece com a cidade mais rica do País, é ingenuidade imaginar que a situação das demais seja muito diferente. E os milhares de pequenas cidades - a lei vale para todas - terão condições de, num prazo de apenas três anos, oferecer vagas em creches para que os pais das crianças cumpram o dever de colocá-las nesses estabelecimentos?

Há outro aspecto do problema a considerar. Mesmo que fosse possível construir até 2016 todas as creches necessárias, e ainda que elas tivessem dinheiro para honrar esse acréscimo em sua folha de pagamento, onde as prefeituras iriam encontrar o pessoal - professores e auxiliares - para fazê-las funcionar? Não consta que essa mão de obra esteja sobrando no mercado. Sem falar, é claro, dos recursos para merenda. Uma creche não é só um prédio. É tudo isso. Na verdade, ele é a parte menos custosa.

Para tornar essa lei realidade é preciso mais tempo e muito mais dinheiro do que parecem dispostos e em condições de gastar os governos federal, estaduais e municipais.

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