Opinião

A violência das torcidas

O Estado de S.Paulo
Na quarta-feira, 20 de fevereiro, o boliviano Kevin Douglas Beltrán Espada, de 14 anos, torcedor do San José, foi ao estádio em Oruro para ver jogar os campeões mundiais do Corinthians Paulista. Em meio ao jogo, um sinalizador naval, disparado do outro lado da arquibancada, o matou instantaneamente. A Conmebol, encarregada de organizar o torneio disputado na ocasião, a Taça Libertadores da América, que havia prometido mais rigor na punição à violência, rotineira nas versões realizadas desde 1960, anunciou medidas contra o clube da torcida que disparou o rojão. Suas partidas seguintes em casa passariam a ser jogadas com os portões fechados e não seriam vendidos ingressos a corintianos para jogos fora de casa. O primeiro deles, contra o Millionarios da Colômbia, no Pacaembu, foi jogado num estádio vazio. A pena, porém, foi modificada.

Como foi anunciado na quinta-feira, o time paulista poderá receber os adversários com casa cheia de pagantes, mas sua torcida não será admitida nos países a serem visitados ao longo da competição, a começar do jogo marcado para Bogotá. Seus dirigentes reclamaram da manutenção da punição, mas a verdade é que a entidade responsável pelo torneio exibiu a leniência de sempre. Não seguiu o exemplo de sua congênere europeia, a Uefa, que afastou todos os times britânicos de seus campeonatos por cinco anos - e o Liverpool por seis - depois dos incidentes provocados pelos violentos hooligans na final da Liga dos Campeões em Bruxelas, Bélgica, em 1985, contra a Juventus de Turim, na Itália. Essa punição terminou resultando em benefício do futebol britânico, de vez que hoje os estádios do Reino Unido são dispensados de alambrado e fosso, após também ter sido adotada outra providência: torcedores que participem de conflitos em estádios e seus arredores têm de ir a delegacias e prestar serviços sociais enquanto seus times jogam.

Os brasileiros têm por hábito atribuir aos vizinhos sul-americanos o monopólio da violência em campo e na arquibancada. A verdade, contudo, é que é no Brasil que se produz o maior número de vítimas fatais dentro e nas proximidades de praças esportivas em que são disputadas partidas entre clubes de grandes torcidas. Em 20 de agosto de 1995, uma batalha campal entre as torcidas Mancha Verde, do Palmeiras, e Independente, do São Paulo, no Estádio do Pacaembu, na final da 2.ª Supercopa São Paulo de Futebol Júnior, terminou com a morte de um torcedor, Márcio Gasparin da Silva, de 16 anos, e 104 feridos. Nada aconteceu com os vândalos que participaram do conflito 18 anos atrás. Desde então, muitas tentativas têm sido feitas para evitar a repetição de tragédias como a do Pacaembu e a de Oruro. Gigantescos aparatos policiais são montados para evitar que as torcidas se misturem e até as acompanham em seu trajeto até o local dos jogos.

Numa atitude a ser imitada, a Justiça fluminense decretou a prisão preventiva por homicídio qualificado e formação de quadrilha de 11 torcedores do Flamengo que participaram do massacre do vascaíno Diego Leal, 30 anos, morto a tiros e facadas em briga de torcidas antes do "Clássico dos Milhões" pelo Campeonato Brasileiro em agosto de 2012. Mas esta decisão é incomum, pois, apesar da tecnologia empregada em coberturas de jogos, a polícia e a Justiça têm dificuldades para identificar e incriminar os delinquentes que participam desses crimes bárbaros.

Depois da derrota para o Tigre na Argentina, na quarta-feira passada, torcedores do Palmeiras agrediram o goleiro Fernando Prass e o armador Valdívia no Aeroparque. O novo presidente do clube, Paulo Nobre, anunciou o fim das regalias das torcidas organizadas. É absurdo que tais grupos de bandidos travestidos de apaixonados por futebol tenham regalias - tais como ingressos gratuitos, direito de comercializar produtos com a marca dos times pelos quais dizem torcer e indevida participação na política e na administração dos clubes. É preciso que todos os clubes se unam e deixem de proteger esses bandidos, antes que a violência deles acabe com o negócio do futebol e a paixão dos torcedores.

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