Opinião

Trapaça no esporte

O Estado de S.Paulo
Lance Armstrong considerava-se invencível. Sete vezes campeão da Volta da França, a mais importante corrida de bicicletas do mundo, entre 1999 e 2005, o americano talvez fosse o mais próximo que um atleta já chegou da imagem de um "super-homem". Sobrevivente de um câncer nos testículos aos 25 anos, Lance tornou-se símbolo de superação e capacidade de vencer. Dedicado igualmente à caridade e à mobilização de recursos para ajudar doentes de câncer, tornou-se o herói de uma geração de aficionados do ciclismo. Em outubro do ano passado, porém, uma exaustiva investigação da Agência Americana Antidoping (Usada) concluiu que Lance só era super-homem porque fazia uso extensivo e sistemático de doping, no "mais sofisticado, profissionalizado e bem-sucedido esquema de dopagem da história do esporte". Até então, todas as suspeitas em relação ao ciclista eram tratadas por seus fãs e por ele como fruto de "inveja". No dia 18 de janeiro passado, porém, o ex-atleta foi ao programa de TV da apresentadora Oprah Winfrey para confirmar que, sim, ele enganara o mundo.

O escândalo de Lance é um caso extremo, que beira a patologia, mas serve para reafirmar as suspeitas de que o esporte de alta performance está aberto ao uso de substâncias que melhoram o desempenho atlético e o sistema existente para flagrar essa prática fraudulenta é miseravelmente falho.

Depois de ter vencido o câncer, Lance não fez segredo de seus objetivos no esporte: "Decidi fazer qualquer coisa para ganhar". Esperava-se, claro, que fosse apenas um exagero retórico, e não o anúncio de que nenhuma barreira ética seria tão alta que não pudesse ser ultrapassada. Mas foi o que aconteceu. Durante 13 anos, o ciclista fez uso generalizado de testosterona e de EPO (Eritropoietina), hormônio sintético que aumenta a produção de glóbulos vermelhos e, assim, eleva os níveis de oxigênio no sangue. Além disso, ele se submetia a transfusões de sangue para não ser flagrado.

Lance não era o único. O esquema envolvia outros atletas de sua equipe e foi desenhado para fazê-los usar substâncias que não eram detectáveis. O ciclista dizia ter passado por mais de 500 testes antidoping e que nunca foi flagrado, mas omitiu um detalhe crucial: naquela época, os exames simplesmente não detectavam as substâncias que ele usava. Isso leva a outra questão fundamental: a indústria que produz drogas para melhorar a performance esportiva avança muito mais rapidamente que as leis e os exames. O doping do futuro próximo pode incluir alterações genéticas e regeneração de tecidos por meio de células-tronco. A composição das drogas proibidas será de tal modo sofisticada que imitará as substâncias naturais do organismo.

Por isso, para tentar desestimular o uso de doping, o escândalo de Lance Armstrong está sendo tomado como exemplar. A União Ciclística Internacional decidiu apagar o nome do americano da lista dos ganhadores da Volta da França e ninguém ocupará seu lugar, porque os organizadores suspeitam que aqueles que chegaram logo atrás de Lance também estavam dopados.

Agora, banido do esporte e com todos os seus títulos cassados, Lance está em busca de redenção. Mas seu caso não é simplesmente o de um atleta que decide se dopar para correr mais que os outros. É o de um trapaceiro profissional, que criou em torno de si uma aura de heroísmo e glória que o tornou praticamente intocável. Lance tenta agora reconstruir sua imagem na esperança de poder voltar às competições. No que concerne ao esporte em si, porém, o estrago é muito maior. O caso de Lance e o de vários outros atletas antes dele, igualmente flagrados, mostra que a oferta de substâncias para melhorar o desempenho, em esportes de alta performance, é uma ameaça que está longe de ser pontual.

Ademais, é bom que se diga, Lance Armstrong não teria sido tão bem-sucedido em sua farsa se não tivesse recebido ajuda de muita gente e se não contasse com a benevolência interessada e cúmplice de seus patrocinadores. Lance certamente pagará por seus erros, mas ele não os cometeu sozinho.

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