Opinião

Desempenho constrangedor

O Estado de S.Paulo
Foi constrangedor - não há outra palavra - o desempenho do ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão da quinta-feira do julgamento do escândalo. Na véspera, o relator Joaquim Barbosa havia condenado 8 dos 10 acusados de corrupção ativa pelo Ministério Público, a começar do ex-ministro da Casa Civil do governo Lula José Dirceu, do ex-presidente do PT José Genoino e do ex-tesoureiro da agremiação Delúbio Soares. Logo em seguida, o revisor corroborou a condenação de Delúbio, mas votou pela absolvição de Genoino. E anteontem, para surpresa de ninguém, livrou Dirceu da imputação de comandar a compra de apoio de deputados a projetos do Planalto.

O que constrangeu não foi nem sequer a sua conclusão, mas a falta de sutileza com que exerceu o papel de defensor do principal réu da mais importante ação da história da Corte. Pior. Ao longo de sua fala de duas horas, um aflito Lewandowski procurou meios e modos para livrar Dirceu da condenação. Ora disse que não há nos autos prova documental ou pericial que o incrimine, ora que há "provas para todos os gostos". Segundo ele, o procurador-geral da República se baseou essencialmente nas acusações a Dirceu de seu "inimigo figadal" Roberto Jefferson, o denunciante e corréu do mensalão. E mesmo essas ele não confirmou em juízo, arguiu - apenas para ser corrigido pelo presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, que, a seu modo suave, repôs a verdade dos fatos.

Ele foi um dos quatro membros do colegiado a desmoralizar com os seus apartes a linha do revisor. Gilmar Mendes apontou a contradição entre os seus votos anteriores pela condenação de políticos por corrupção passiva, e de Delúbio por corrupção ativa, e a sua insistência em negar o que a maioria da Corte já deu por assente: o suborno de deputados para votar com o governo. Marco Aurélio Mello refutou a versão de que Genoino e o publicitário Marcos Valério tinham apenas contatos casuais. E Celso de Mello expôs a improcedência da tese de Lewandowski segundo a qual a teoria do "domínio do fato" só vale em situações excepcionais. Esse princípio permite condenar réus, como José Dirceu, cuja autoridade os coloca em condição de promover atos ilícitos, ainda que não fique demonstrada a sua participação pessoal nos crimes.

Mas foi a ministra Rosa Weber, ao proferir o seu voto, quem demonstrou singelamente o absurdo da alegação do revisor de que Delúbio tinha autonomia em relação a Genoino e Dirceu, ou, nas suas palavras, "total independência" no que toca às finanças do partido. "Não é possível acreditar", assinalou, "que Delúbio, sozinho, teria comprometido o PT com uma dívida de R$ 55 milhões e repassado metade disso a partidos da base aliada, sem conhecimento de qualquer outro integrante" da agremiação. Afirmar o contrário equivaleria a atribuir-lhe "uma mente privilegiada". Por delicadeza, a ministra se guardou de comentar a figura tosca do apadrinhado de Lula, que o País veio a conhecer, tropeçando nas palavras, durante as transmissões da CPI dos Correios. "Ele não faria carreira solo", resumiu, em aparte, Ayres Britto.

Assim como Rosa Weber, o ministro Luiz Fux, que votou em seguida, condenou Delúbio, Genoino e Dirceu - este, "como articulador político desse caso penal, até pela posição de proeminência no partido e no governo que ele tinha". A condenação de Delúbio, a se consumar na próxima semana, decerto será unânime. Em relação a Genoino e, principalmente, a Dirceu, será uma grande surpresa se tiverem a seu favor outros votos além dos de Lewandowski e, como se espera, de Dias Toffoli, ex-assessor do ministro e advogado de Lula em três campanhas presidenciais. O que não se esperava é que o revisor trouxesse "à colação", como gosta de dizer, um parecer que mais se parecesse com um memorial dos patronos dos réus que optou por absolver.

Ser voto vencido é uma circunstância inseparável da função de magistrado em plenários plurais. Mas, quando assentar a poeira do julgamento do mensalão, Lewandowski provavelmente será lembrado menos por ter ficado em minoria do que pela fragilidade de suas posições.

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