Opinião

Prioridades equivocadas

O Estado de S.Paulo
Em resposta a um dossiê preparado por professores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), propondo a transferência da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH) da periferia de Guarulhos para São Paulo, o Conselho de Assuntos Estudantis da instituição aprovou moção favorável à permanência da unidade no local onde está instalada - o Bairro dos Pimentas, uma região pobre, violenta e com problemas de acesso por transporte público.

No dossiê, os professores afirmam que o câmpus da EFLCH é geográfica e culturalmente isolado, não trazendo perspectiva de progresso para a região. Além disso, dizem eles, a má localização prejudica a integração dos cursos de graduação e é um dos fatores responsáveis pela alta evasão de alunos, o que compromete os esforços da Unifesp para atingir as metas de produtividade e os padrões de excelência estabelecidos por seus órgãos colegiados. Ao refutar esses argumentos, o Conselho de Assuntos Estudantis alegou que "o bairro lutou pela universidade". Afirmou, ainda, que a região está progredindo graças à EFLCH. E lembrou que outras universidades públicas instalaram unidades distantes de equipamentos culturais - como cinemas e teatros.

"A EFLCH já está enraizada. O que fazer com o dinheiro que foi gasto com a viabilização do câmpus?", pergunta o diretor acadêmico da escola, Marcos Cezar de Freitas, que é favorável à sua permanência no Bairro dos Pimentas. "A EFLCH foi fundada para cumprir um projeto acadêmico, não para atender às urgências do bairro. A escola, como foi concebida, não cabe lá. A Unifesp não faz nada especificamente para a população local", afirma o professor Juvenal Savian, que defende a transferência de alguns cursos para São Paulo.

Por trás dessa polêmica, há uma questão de fundo, que é saber se a missão de uma universidade é instruir as novas gerações ou funcionar como instrumento de desenvolvimento urbano. Esse tipo de questão surgiu há quase dez anos com o lançamento, pelo governo Lula, do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Trata-se de uma política de expansão acelerada do ensino superior. Concebida sem uma avaliação cuidadosa do setor, essa política levou à abertura de campi onde não havia demanda e à admissão de alunos antes de existirem instalações adequadas.

A crise da EFLCH é consequência dessa estratégia açodada, que levou o governo a gastar cerca de R$ 4 bilhões com o Reuni, quando a prioridade da educação deve ser o ensino técnico e, não, o ensino superior. Esse equívoco do governo Lula fica perfeitamente claro em pesquisa feita pelo Senai, mostrando que os certificados de conclusão de nível técnico hoje garantem salários mais altos do que os pagos a quem tem diploma universitário. Segundo o levantamento, realizado em 18 Estados, a remuneração média na admissão dos trabalhadores das 21 ocupações técnicas mais demandadas pela indústria é de R$ 2.085,57 - valor superior ao salário médio de advogados, dentistas e engenheiros em início de carreira.

Em São Paulo, os salários iniciais mais elevados - entre R$ 3,5 mil e R$ 4,1 mil - são pagos a técnicos em manutenção de aeronaves e projetistas. No Rio de Janeiro, os salários iniciais mais altos são pagos a técnicos em mineração e em mecatrônica - em média R$ 8,6 mil e R$ 4 mil, respectivamente. Nos últimos 12 meses, o mercado de trabalho gerou 1,04 milhão de empregos para pessoas com diploma de nível técnico. Há, em todo o País, 2,4 milhões de trabalhadores que estudaram em cursos técnicos, segundo o levantamento, enquanto o mercado profissional para portadores de diploma superior está saturado.

Por diversas vezes Lula afirmou ter sido o presidente que mais criou universidades e mais inaugurou escolas técnicas - cerca de 214. O problema é que ele construiu menos escolas técnicas do que o necessário e universidades demais - e estas, além de enfrentarem graves crises, como a da EFLCH, consomem recursos escassos que poderiam ser mais bem aplicados em favor das novas gerações.

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