Opinião

O surto populista de Cristina

O Estado de S.Paulo
Só faltou a presidente argentina Cristina Kirchner assomar aos balcões da Casa Rosada, a sede do governo nacional no coração de Buenos Aires, diante de uma multidão adrede arregimentada em estado de apoteose cívica, para completar o regressivo espetáculo de exaltação nacionalista do anúncio da reestatização da YPF, a maior empresa petrolífera do país, privatizada em 1993 e adquirida pela Repsol espanhola em 1999. Tudo o mais, porém, seguiu o mofado figurino do auge da era peronista, nos anos 1950. Por volta do meio-dia de anteontem, no salão nobre do palácio, tendo às costas uma imagem de Evita Perón e à frente uma siderada plateia de militantes justicialistas, entoando cânticos e palavras de ordem dos viejos tiempos, a presidenta, como exige ser chamada, proclamou a recuperação da "soberania petrolífera" argentina. Desnecessário dizer que o show de arrebatamento patriótico e fabulação econômica foi transmitido em rede nacional.

Naturalmente, ninguém teria a insolência de lembrar que a então senadora Cristina, bem como o seu marido Néstor, à época governador da província patagônia de Santa Cruz, aplaudiram a desestatização da YPF promovida pelo presidente Carlos Menem, o correligionário peronista que guinou para o neoliberalismo sem jamais perder o ardor populista. A esta altura, de todo modo, há paradoxos mais importantes a ressaltar. O principal é o que separa a demagógica celebração da reconquista da soberania argentina no setor de petróleo do estado crítico das finanças nacionais. Desde o calote da dívida em 2001, o país perdeu a confiança dos mercados internacionais de capital. Os descalabros da política econômica kirchnerista, entre os quais avulta uma indisfarçável inflação da ordem de 25%, obrigaram o governo a decretar em outubro passado o controle do câmbio - engessando, em consequência, as importações. Só naquele mês fugiram do país US$ 3,4 bilhões. No ano, já deixaram o país US$ 22,5 bilhões.

O Tesouro argentino não tem a mais remota condição de bancar os investimentos que a Repsol é acusada de ter deixado de fazer para devolver ao país a autossuficiência no setor energético - o argumento invocado por Cristina para justificar a nacionalização da YPF, que passará a ser controlada pelo governo federal, com 26,01% das ações, e pelas províncias produtoras de hidrocarbonetos, com 24,99%. Dos 51% que detinha, restarão à Repsol 6,43%. Ora, ela deixou de investir na proporção desejada pelo governo porque o próprio governo a privou dos meios de fazê-lo. O Estado, por exemplo, pagava-lhe por barril extraído uma fração do seu valor de mercado (US$ 42) e embolsava a diferença. Depois de o governo espanhol prometer, com o apoio da União Europeia, fortes represálias ao "claríssimo gesto de hostilidade" de Buenos Aires, como disse o ministro da Indústria José Manuel Soria, o presidente da Repsol, Antonio Brufau, acusou a Casa Rosada de forçar a baixa das ações da YPF para comprá-las a preço vil.

Ele atribuiu a desapropriação à intenção de Cristina de açambarcar a exploração do riquíssimo Campo de Vaca Muerta, na província de Neuquén, descoberto e posto a operar pela Repsol no ano passado. As jazidas de óleo e gás de xisto ali são estimadas em 22,5 bilhões de barris equivalentes, ou pouco menos da metade das reservas brasileiras no pré-sal. Ora, depois da violência jurídica perpetrada pelo governo argentino, no quadro de um surto nacionalista que começou com a exumação da demanda pelas "Malvinas argentinas", passados 30 anos da sua fracassada invasão, com que parceiros o país poderá contar para voltar ao seu passado de autonomia e superávits comerciais na área de energia? Cristina diz que quer implantar o "modelo brasileiro" no setor, numa alusão aos 51% que o Estado detém na Petrobrás, mas hostilizou a empresa ao cancelar a concessão de que dispunha em Neuquén, onde já tinha investido US$ 10 milhões.

Leia na íntegra O surto populista de Cristina

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