Opinião

O bicheiro e seus amigos

O Estado de S.Paulo
A letra miúda das relações entre o contraventor Carlinhos Cachoeira e agentes públicos de diferentes instâncias e instituições ficou exposta com nitidez na entrevista do governador tucano de Goiás, Marconi Perillo, à repórter Christiane Samarco, publicada segunda-feira no Estado. Goiás, como se sabe, é a base de operações do bicheiro e o Estado do senador Demóstenes Torres, até agora a mais lustrosa figura a cair em desgraça por suas ligações com o homem da batota. Ele se desfiliou do DEM para não ser expulso do partido.

Perillo, um dos tantos flagrados nos grampos da Operação Monte Carlo da Polícia Federal conversando com Carlos Augusto Ramos, como se chama o operoso empreendedor, diz que "todos os políticos importantes de Goiás tiveram algum tipo de relação ou de encontro com o Carlos Ramos" - "como empresário", ressalva. Além de faturar com o jogo ilegal, Cachoeira tem uma fábrica de medicamentos em Anápolis, próspero município do Centro-Oeste brasileiro. Com a generalização, o governador, no exercício do terceiro mandato, pode ter desejado "socializar" os eventuais danos à sua imagem. Mas não há por que duvidar das suas palavras.

Antes de fazer parte do jargão do mundo da internet, o termo "redes sociais" era já comumente usado pelos estudiosos para explicar os mecanismos da ascensão individual nos negócios e na política, entre outros ramos. Isso se constata principalmente em sociedades como a brasileira, onde o sucesso de cada qual ainda depende em larga medida do seu círculo de relações, a começar da esfera familiar. Nessa malha, as eventuais malfeitorias de seus integrantes, facilitadas, por sinal, por essa própria condição, são muitas vezes tratadas com uma leniência que não se estende a quem se fica conhecendo só quando aparece no noticiário policial.

O governador goiano, por exemplo, conta que conheceu Cachoeira numa festa. Quem os apresentou foi o seu ex-secretário de governo Fernando Cunha. "O filho do Fernando era casado com uma irmã de Cachoeira", arrola. Em outra festa, Perillo ouviu dele, Cachoeira, que "tinha abandonado o jogo, saído da contravenção e que era empresário trabalhando na legalidade". O político diz ter acreditado. "Sou um homem de boa-fé", justifica-se. Pois é: mesmo atrás das grades (Cachoeira está preso há 41 dias), o pessoal que ele comanda continua na ativa. A Polícia Federal descobriu que a turma comprou por R$ 1 milhão um site de bingos online hospedado na Irlanda, voltado para apostadores brasileiros.

Nem só a complacência e a boa-fé alheias, evidentemente, encorpam os Cachoeiras. Eles fazem fortuna porque remuneram de várias formas os políticos e funcionários que têm diante do patrimônio público a mesma atitude rapace dos seus pagadores. Ao princípio cínico do "aos amigos, tudo", acrescenta-se a senha para a lambança: "O que é de todos não é de ninguém". O círculo se fecha com a aposta - testada e aprovada - na impunidade. Daí o ceticismo com que tendiam a ser recebidas, no caso, iniciativas como o pedido, acolhido ontem, de abertura de processo para a cassação do mandato de Demóstenes Torres, o Catão do Senado, que ganhava mimos do contraventor com quem trocou nada menos de 298 telefonemas entre fevereiro e agosto do ano passado.

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