Opinião

A crise que não existe

O Estado de S.Paulo
A presidente Dilma Rousseff garante que "não há crise nenhuma" no governo, apesar da enorme dificuldade que enfrenta para se entender com sua amplamente majoritária base de apoio parlamentar. Mas, a cada dia que passa, a cena política expõe claras evidências de que o modelo de presidencialismo de coalizão que o lulopetismo consagrou caminha inexoravelmente para a exaustão. Em entrevista concedida à revista Veja à véspera de sua viagem à Índia, a chefe do governo fez um exercício de retórica e depois partiu, deixando em Brasília uma tropa de choque instruída para colocar em execução exatamente o contrário daquilo em que afirmara acreditar: "Perder ou ganhar votações faz parte do processo democrático e deve ser respeitado. (...) Em alguma circunstância sempre vai emergir uma posição de consenso do Congresso que não necessariamente será a do Executivo".

Essa é, efetivamente, a teoria do processo democrático, que pressupõe independência e autonomia dos poderes da República. Ocorre que o pragmatismo exacerbado do modelo de coalizão meticulosamente aprimorado em oito anos do governo Lula derrogou, desde logo, esses fundamentos, e erigiu o mais puro fisiologismo como principal elemento de aglutinação das forças políticas encarregadas de dar suporte à ação do Executivo no Congresso Nacional. A preterição de uma agenda, se não ideológica, ao menos programática, em benefício do mais rasteiro toma lá dá cá que predomina nas relações do Executivo com o Legislativo, é uma herança que Dilma Rousseff já demonstrou não ter a menor aptidão, e talvez nem mesmo disposição, para administrar. Mas ela sabe, por melhores que sejam suas intenções, que, dadas as condições em que chegou e se sustenta no poder, esse é um jogo praticamente impossível de virar. Sobra então a retórica.

Como pode a presidente da República afirmar que a prerrogativa constitucional dos parlamentares de eventualmente contrariar a vontade do Executivo "deve ser respeitada", se o líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto, anuncia que as lideranças governistas estão empenhadas em impedir que ministros de Estado sejam convocados a dar explicações aos parlamentares, atendendo a "convocações desnecessárias"? Quem é que decide se uma convocação de ministro é necessária? A presidente? Mas a verdade é que os parlamentares, principalmente os da "base aliada" não podem se queixar. Suas principais lideranças, muitas delas resgatadas do ostracismo pelo pragmatismo do governo Lula, mantêm-se preocupadas apenas com seu caciquismo e com o bolso. O grosso da tropa luta para garantir sua parte no butim. E, como sentem a rédea solta, tornam-se cada vez mais "independentes" e insaciáveis.

A quem possa parecer que esse é um quadro carregado nas tintas, vale a pena prestar atenção na novidade que o novo líder do governo no Senado, Eduardo Braga (AM), revelou, em recente entrevista ao Estado (17/3), depois de uma visita, para se "aconselhar", ao ex-presidente Lula. Até o chefão do PT estaria achando que o fisiologismo passou da conta e, portanto, é solidário com a presidente nos frequentes conflitos com a base aliada no Congresso: "A Dilma está certa. Vale a pena essa luta, porque essa é a boa luta".

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