Guerra!

Galtieri desatinou

Sidney Borges
Hoje faz trinta anos da invasão das Falklands/Malvinas. Quando aconteceu fiquei excitado, em conversas com amigos, anos antes, eu mencionara a possibilidade. Recebi alguns telefonemas por conta do acerto, creditado a uma inexistente argúcia politico-internacionalista. Meu conceito subiu, embora isso não tenha se traduzido em movimentação bancária, ou seja, não serviu para nada.

Como eu sabia que os argentinos iam invadir as Malvinas/Falklands? Flashback. Julho de 1976, férias em Buenos Aires com a namorada. Ela foi direto, eu fui dois dias depois via Porto Alegre, onde visitei um tio que não via há muito tempo. Por sinal um tio argentino.

De lá fui de ônibus até Uruguaiana onde atravessei a fronteira em Passo de Los Libres e embarquei em um Fokker F-28 da Aerolíneas Argentinas que me levou ao Aeroparque.

No avião conheci um anarquista franco-argelino simpaticíssimo. Bertrand, ex-soldado na guerra da Argélia onde deixou parte da juventude e metade da perna esquerda. Costumeiro nesse vôo, Bertrand conseguiu duas garrafas de vinho com as comissárias que pareciam adorá-lo.

Desci no Aeroparque, em Buenos Aires, levemente bêbado. 

Na noite seguinte Bertrand ligou para o hotel. Saímos para jantar, o câmbio estava favorável, pelo preço de uma pizza em São Paulo jantamos três, pedindo o que havia de melhor no cardápio, incluindo vinho de primeira qualidade.

Depois do repasto fomos a uma festa na casa de um amigo de Bertrand, festa perigosa pela presença de estudantes, jornalistas, enfim, gente que a ditadura não gostava. Fiquei apreensivo, os militares argentinos estavam mordendo sem latir. Caso algum vizinho paranóico denunciasse a reunião de barbudos nós poderíamos ir presos.

Sem entender quase nada do que falavam, peguei uma revista que estava sobre uma mesa de canto e fiquei folheando. Alguns minutos depois, alegando cansaço, fomos embora. Ufa!

No dia em que voltamos ao Brasil, saíndo do Aeroparque num "Samurai" da Austral, Bertrand foi se despedir. Quando estávamos rumando para o embarque ele abriu a bolsa e me deu a revista da festa. Você gostou dela, eles já tinham lido...

E assim, sem nada para fazer no vôo de Buenos Aires a Uruguaiana, no trem húngaro de Uruguaiana a Porto Alegre e no Boeing 727 da Varig, de Porto Alegre a São Paulo, li e reli um artigo da revista que se chamava Cabildo, editada por oficiais da marinha.

O artigo citava três possibilidades de conflito armado que a Argentina teria de enfrentar em futuro próximo.

O primeiro confronto seria contra o Brasil em função de uma pendência sobre fronteiras em que parte do território brasileiro foi reclamado pela Argentina. Na questão do "Território das Missões", arbitrada pelo governo dos Estados Unidos, em 1890, foi dado ganho de causa ao Brasil. O autor do artigo parece não ter concordado com a decisão e achou que a coisa deveria ser resolvida à bala.

O segundo conflito seria para resolver a querela em torno do Canal de Beagle, onde Chile e Argentina não se entendiam quanto à posse das ilhas Lennox, Picton e Nueva. Essa guerra quase aconteceu, as tropas não entraram em combate por questão de minutos.

A terceira opção seria invadir as Malvinas/Falklands e nacionalizar os três milhões de pinguins que lá vivem cercados de gelo e ventos. No arquipélago também vivem discípulos de sua majestade, poucos é verdade, mas que tudo indica preferem cumprir a jornada do purgatório aqui na Terra. São radicais, além de comer torta de rim com cerveja quente, juram que por nada deste mundo, ou do outro, querem ser argentinos.

Isso que acabei de relatar aconteceu em 1976, quase seis anos antes da guerra. Logo que tomaram o poder os militares argentinos começaram a procurar sarna para se coçar. Acabaram encontrando e por conta de uma revista editada por alguns mais afoitos, e roubada por um anarquista sem pátria, fiquei com fama de analista internacional. Anos depois uma empregada usou a revista para forrar o chão embaixo da samambaia. Foi um bom uso, serviu para alguma coisa útil, pois seu conteúdo era digno da cesta de lixo

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