Circo da Notícia

Liberdade é a liberdade dos outros

Por Carlos Brickmann no Observatório da Imprensa
O governo acaba de mostrar o que é que entende por liberdade de expressão (ou, se alguém preferir, liberdade de imprensa): o Palácio do Planalto informou que o CQC está proibido de acompanhar as viagens da presidente Dilma Rousseff. O Ministério das Relações Exteriores anunciou que o CQC está proibido de entrar no Palácio do Itamaraty.

É antidemocrático, claro. E é burro: a grande reportagem não precisa ser feita no prédio onde vivem ou trabalham seus personagens. Quando fez a série das mordomias, Ricardo Kotscho não precisou ir à casa ou ao escritório de Sua Senhoria nenhuma para contar como funcionava a bandalheira. E, num regime autoritário, em sua fase mais dura, o repórter Ewaldo Dantas Ferreira foi proibido de viajar com o presidente Emílio Médici aos Estados Unidos. Viajou sem ele, longe da comitiva, fez reportagens antológicas para o Jornal da Tarde e não teve de conviver com aquela gente gosmenta que cercava Sua Excelência.

O governo atual, com as proibições ao CQC, mostra sua face autoritária e desconhecedora do que seja a liberdade de expressão. Já o Sindicato dos Jornalistas de Brasília, que propõe que o governo tome mais medidas contra o CQC, é pior: eles sabem, ou deveriam saber, que liberdade é a liberdade de quem pensa diferente de nós. Eles sabem, ou deveriam saber, que jornalismo é oposição: ficar pedindo favores ao governo é coisa de pelego, não de jornalista. E querer monopolizar a coleta e distribuição de informações é coisa de pelego corporativista.

A propósito, este colunista acha que o tipo de cobertura feito pelo CQC é um horror; aliás, nem o considera jornalismo. Mas quem é que vai definir o que é jornalismo não é este colunista, nem o pessoal que se julga de esquerda e não conhece o pensamento essencial de Rosa Louxembourg: é o público, é o consumidor de informação. Ou é o público que define o tipo de informação que prefere ou o jornalismo acabou: teremos de volta a ditadura militar, que de vez em quando implicava com o “baixo nível da TV” e obrigava as emissoras a transmitir concertos e ópera. Podemos ter, talvez, o Pravda ou o Izvestia, determinando qual a linha justa de pensamento; ou o Die Sturm, o favorito de Hitler.

Onde já se viu, sindicato de jornalistas pedindo censura?

As voltas que o mundo dá

Este colunista não se queixa de baixo nível de TV: se não gosta do programa, troca de canal. Se não houver nada de bom, abre o computador, pega um livro, vai passear. Que mania é essa de achar que os meios de comunicação são obrigados a publicar só aquilo de que gostamos? Seremos o umbigo do mundo?

Mas, voltando ao CQC, seu pessoal enche o saco dos entrevistados, usa técnicas desleais de entrevista (por exemplo, na edição, coloca nariz de palhaço em quem quer ridicularizar etc.) São escrachados, mesmo. E, talvez por isso, este colunista raramente dedica seu tempo a vê-los.

Mas o Sindicato dos Jornalistas de Brasília se queixa de que eles atrapalham as entrevistas, recebem o mesmo tipo de credenciamento dos jornalistas, embora sendo humoristas, e que o tipo de comportamento do CQC “gera vergonha e conflitos que frequentemente prejudicam o bom desempenho dos profissionais de imprensa”.

Vejamos o humorismo. Nem sempre há protestos contra o humor na imprensa. Por exemplo, quando o marechal Costa e Silva, com sólida fama de ignorante, foi diplomado presidente da República, o Jornal da Tarde cravou a manchete: “Costa e Silva tira diploma”. Tirando os militares, ninguém achou ruim, não. Quando o marechal Castello Branco, feio de doer, impôs uma lei de imprensa castradora, o Jornal da Tarde publicou uma série de manchetes, as únicas que, com a nova lei, seriam permitidas: “Castello é bom de bola”, “O presidente é bonito”, e algumas outras (os desenhos de Hilde Weber foram antológicos). Mais uma vez, tirando os militares, ninguém se queixou.

Quanto ao tipo de comportamento, basta ir a uma CPI em que o indiciado não esteja nas boas graças da imprensa para assistir a cenas que fazem o CQC parecer um grupo de freiras. Certa vez, houve suspeitas de que funcionários públicos estivessem presentes num interrogatório, para aplaudir o chefe. A mesa determinou então que os funcionários públicos presentes levantassem a mão. Uma repórter gritou várias vezes: “Manda eles ficarem de pé, que a gente escracha!”

É, há comportamentos que geram vergonha e conflitos que frequentemente prejudicam o bom desempenho dos profissionais da imprensa.

Quem é quem

Agora analisemos o aspecto prático do problema. A proibição de trabalhar envolve apenas o CQC? Então, a censura é, além de tudo o mais, discriminatória. Atingirá outros programas? Sabrina Sato não poderá mais convencer o senador Eduardo Suplicy a vestir cuecas vermelhas por cima do terno para aparecer na TV? E Jô Soares, será também proibido de fazer entrevistas, já que não apenas iniciou sua carreira como humorista como foi um dos grandes astros do humor brasileiro?

Pelo que este colunista tem lido, para o sindicato brasiliense jornalista é quem tem diploma de jornalista. O diploma resolve tudo: seu portador é competente, ético, profissional. E se alguém do CQC tiver diploma, que é que acontece? Vale o diploma, e ele é jornalista, ou vale o CQC, e ele deixa de ser jornalista para tornar-se humorista?

Sejamos precisos: o que este pessoal da tal regulação social da imprensa quer mesmo é dizer, um por um, soberanamente, quem é jornalista. “Jornalista é quem eu digo que é jornalista”. Simples assim. Antidemocrático assim.

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