Opinião

Saudade das carroças

O Estado de S.Paulo
Com dificuldade para se adaptar ao século 21, o governo insiste em reeditar o protecionismo dos anos 50 e 60 do século passado, quando a maior parte da indústria era nascente e esse tipo de política ainda tinha algum sentido. Esse velho padrão foi reeditado na elaboração do Plano Brasil Maior, já em vigor, e poderá servir de inspiração para um "novo" regime automotivo com elevada exigência de conteúdo nacional (mais precisamente, produzido no Mercosul). O Plano Brasil Maior já estabeleceu a exigência de pelo menos 65% de conteúdo local para os veículos comercializados no Brasil, impondo uma taxação adicional de 30 pontos porcentuais aos produtos sem essa especificação. Esse critério deverá valer nos próximos 12 meses. Nesse período serão definidas as condições para vigorar em 2013, segundo informou o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel.

O Brasil foi um dos últimos países a abandonar o velho modelo de substituição de importações. A economia nacional foi muito prejudicada por isso. Outros países, principalmente da Ásia, deram o passo adiante nos anos 70 e 80. Passaram a absorver tecnologia, investiram em pesquisa e adotaram planos de educação ambiciosos e bem elaborados, preparando-se para conquistar espaços no mercado internacional. A Coreia do Sul foi um desses países. Absorveu e desenvolveu conhecimentos e tornou-se uma potência industrial e comercial adaptada a seu tempo. Enquanto isso, o Brasil pagava pelo fracasso da reserva de mercado para informática e entrava nos anos 90 com uma indústria de carroças motorizadas.

Nos anos 80 e em boa parte dos 90, o setor mais dinâmico da economia brasileira foi o agronegócio. Não por acaso, a modernização ocorreu mais prontamente naqueles segmentos mais voltados para o mercado internacional, como a produção de soja e derivados e a criação de animais para a exportação de carnes. Empenhados em disputar com os melhores produtores do mundo, os empresários envolvidos nesse trabalho tiveram de ajustar sua atividade aos níveis mais altos de eficiência, em vez de se refugiar no conforto de um mercado protegido. As instituições de pesquisa, com a Embrapa em posição central, tiveram um papel decisivo nesse esforço.

A abertura da economia brasileira, na virada dos anos 80 para os 90, foi um primeiro esforço de adaptação às mudanças globais. Os empresários com visão de maior alcance haviam começado a investir em modernização antes da abertura. Esses foram capazes de resistir ao impacto da mudança. A própria indústria automobilística adotou novas políticas, embora parte de sua produção tenha continuado defasada em relação aos padrões mundiais. Mas o Brasil jamais completou a sua inserção na economia globalizada. Os avanços na educação e na criação de tecnologia foram insuficientes, principalmente porque faltou uma clara e realista definição de prioridades. A infraestrutura continuou deficiente e inadequada e os custos de logística permanecem absurdamente altos. O sistema tributário é um desastre, porque onera o investimento, a produção e a exportação.

O Brasil não precisa de um novo regime automotivo nem de regras de conteúdo mínimo. Precisa de melhores condições para produzir e competir. Empresas poderão cumprir exigências de conteúdo nacional, num mercado protegido, sem tornar o País mais competitivo. Fala-se, em Brasília, de possível diminuição de impostos, como parte do regime automotivo, para quem investir em tecnologia. Nisso, pelo menos, há uma semente de bom senso. Mas seria muito mais sensato adotar uma política ampla de estímulo ao desenvolvimento tecnológico, em todos os setores, como parte de uma estratégia de modernização.

O presidente da Confederação Nacional da Indústria, Robson Andrade, apoiou a exigência de maior conteúdo nacional para os automóveis e ainda propôs uma alteração dos cálculos, para atribuição de maior peso aos componentes estritamente industriais. Daria uma contribuição muito melhor se cobrasse uma política de modernização produtiva e rejeitasse o ranço das políticas do passado. A CNI já produziu ideias mais luminosas.

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