Opinião

O governo e a crise dos ricos

A economia brasileira crescerá entre 4,5% e 5% no próximo ano, apesar do agravamento da crise mundial, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em depoimento na quarta-feira na Câmara dos Deputados. "Não podemos nos atemorizar e parar de consumir e de produzir", exortou a presidente Dilma Rousseff, na sexta-feira de manhã, no Rio de Janeiro. As autoridades tomarão medidas para evitar uma desaceleração excessiva da atividade, acrescentou em São Paulo o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, declarando-se preparado para continuar financiando projetos de investimento. Em coro ou separadamente, autoridades federais procuram transmitir segurança e otimismo, enquanto reconhecem o agravamento da situação internacional e dão como quase certa uma recessão no mundo rico.

"Não somos uma ilha, mas somos um país protegido", disse também a presidente. A proteção, segundo ela, é o "imenso mercado interno", reforçado nos últimos anos pela incorporação de 40 milhões de pessoas. O ministro da Fazenda também bateu nesse ponto. O Brasil, segundo ele, depende menos do mercado externo do que outros países.

O enorme número de consumidores é de fato um ativo importante para a economia brasileira, mas é preciso frear um pouco o otimismo em relação a esse dado. O consumo cresceu neste ano e poderá continuar crescendo, porque o desemprego continua baixo (5,8% em outubro), a massa de rendimentos ainda se expande, o crédito é mais que suficiente e o índice de confiança dos consumidores subiu 3,3% neste mês, segundo a Fundação Getúlio Vargas. Mas só tem sido possível atender a boa parte dessa demanda com o rápido aumento das importações.

A participação de importados no consumo de bens industriais chegou a 21,3% no acumulado de quatro trimestres até o período julho/agosto deste ano, segundo a Confederação Nacional da Indústria. Essa participação foi 1,2 ponto porcentual maior que a do ano anterior e 10 pontos superior à de 2003.

Ao mesmo tempo, o coeficiente de exportações - relação entre o valor exportado e a produção industrial - chegou a 17,9% nos quatro trimestres encerrados no terceiro deste ano. Esse resultou de uma pequena recuperação, depois de alguns anos de queda. Em 2006 havia chegado a 20,4% e depois diminuiu.

Não há, portanto, um problema de demanda, mas há entraves importantes à produção industrial. A indústria tem sido prejudicada não só pela valorização do real, interrompida e parcialmente revertida pela recente recuperação do dólar, mas também por várias desvantagens bem conhecidas e nunca atacadas seriamente pelos formuladores da política econômica: tributação errada e onerosa para a produção, infraestrutura deficiente, encargos trabalhistas elevados, custos burocráticos, etc. O governo anunciou a partir de agosto várias medidas para tornar a produção mais competitiva, como a redução dos custos trabalhistas de alguns segmentos, devolução de impostos e aumento da defesa comercial. A desoneração, como já foi demonstrado, foi mal planejada e pode até resultar em maior tributação para algumas indústrias. A devolução de impostos seria mais eficiente se o Tesouro liquidasse em menor prazo os créditos fiscais das empresas.

Quanto à defesa comercial, foi concebida de forma rudimentar e só não motivou processos na Organização Mundial do Comércio (OMC) porque os parceiros comerciais não quiseram. Além disso, protecionismo não torna a produção nacional mais competitiva no exterior e o Brasil precisa exportar para criar empregos e ao mesmo tempo manter segurança nas contas externas.

As autoridades têm agido como se o grande risco para o País estivesse no enfraquecimento da demanda interna. Mas não está, até porque o gasto público, um dos principais pilares da demanda, deve continuar em crescimento em 2012, se o governo não cuidar seriamente dessa questão. Nesse caso, suas despesas, combinadas com o afrouxamento da política monetária, resultarão em pressões inflacionárias e mais importações, e não em estímulo à produção. Na etapa seguinte, isso, sim, acabará, provocando demissões.

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