Opinião

Vai-se o oitavo governo

O Estado de S.Paulo - Editorial
No último ano e meio, até o final da semana passada, a crise tinha ceifado sete governos europeus, sem distinção de cores políticas: cinco pelo voto (Reino Unido, Holanda, Irlanda, Portugal e Dinamarca) e dois, com um dia de diferença, pela renúncia forçada de seus líderes (o grego George Papandreou e o italiano Silvio Berlusconi), substituídos por tecnocratas, mais confiáveis para os mercados do que os políticos. Domingo, confirmando a teoria de que, onde a reeleição é permitida, não são as oposições que ganham, mas os governos é que perdem, foi despachado o oitavo - o do primeiro-ministro da Espanha, José Luiz Rodríguez Zapatero, no poder desde 2004.

Já no começo de abril, quando dissolveu o Parlamento, antecipou as eleições que estavam marcadas para o próximo ano e desistiu de disputar um terceiro mandato (cedendo a vez para o quase desconhecido Alfredo Pérez Rubalcaba), não havia dúvida alguma de que o Psoe, o partido socialista espanhol, estava fadado a entregar o Palácio de Moncloa ao seu rival histórico de centro-direita, o Partido Popular (PP), representado pelo insosso, porém experiente Mariano Rajoy. Em maio, as previsões de uma virada sem paralelo na política nacional desde o fim do franquismo, em 1977, haviam adquirido consistência com os resultados das disputas nas 13 das 17 autonomias, equivalentes aos nossos Estados: o PP levou a melhor em 11.

Anteontem, a derrocada se consumou. A agremiação de Rajoy conquistou nada menos que 186 cadeiras das 350 em jogo na Câmara Baixa do Parlamento e 136 das 208 do Senado. No plano regional, o PP completou a goleada de maio, assumindo o controle de todas as capitais provinciais, salvo Sevilha e Barcelona. Mas são os números absolutos que permitem entender melhor o que se passa na Espanha devastada pela recessão e o desemprego recorde no Primeiro Mundo de 22,6% (e o dobro disso na população de 15 a 24 anos). No plano nacional, o PP recebeu 10,830 milhões de votos, ou relativamente modestos 550 mil a mais do que no pleito anterior, em 2008. Já o Psoe, com 6,970 milhões de sufrágios, perdeu 4,4 milhões do total então recebido. Houve mais abstenções do que votos nos socialistas.

O novo Parlamento espelhará outra mudança significativa - a fragmentação política. Para todos os efeitos práticos, a Espanha era uma democracia bipartidária: juntos, Psoe e PP detinham 83% das vagas no Parlamento. Na próxima legislatura, ocuparão cerca de 70%. O número de siglas representadas passará de 9 para 13. Entre estas, o avanço mais espetacular - e sintomático da enorme frustração do eleitorado socialista - foi o da até então irrelevante Esquerda Unida. Tinha dois deputados. Ganhou mais nove. O regionalismo também se fortaleceu com o êxito dos principais partidos nacionalistas bascos (12 cadeiras), em detrimento dos aliados do PP, e com o crescimento do CiU catalão (de 10 para 16).

Abster-se, anular o voto, votar contra o Psoe pela esquerda ou reforçar as tendências autonomistas espanholas - tudo isso faz sentido como protesto contra um governo que assumiu prometendo levar o país para o topo da União Europeia (UE), promoveu uma insustentável "década pródiga" com dinheiro alheio, deixou inflar uma tóxica bolha imobiliária e termina perto de ser incluído entre membros da sua segunda divisão, como Grécia e Portugal, à mercê dos mercados (e da boa vontade da guardiã do bloco, a chanceler alemã Angela Merkel). Resta saber o que poderá fazer o governo de Rajoy mais do que o do socialista Zapatero para segurar o déficit público e a dívida soberana espanhola.

No ano passado, o governo socialista diminuiu os salários do funcionalismo, cortou gastos sociais, congelou aposentadorias e aumentou impostos. Na campanha, Rajoy guardou-se de dizer o que faria concretamente para decepar algo em torno de 20 bilhões de euros do orçamento nacional, como a Europa exige. Vitorioso, disse platitudes: "Não há milagres" nos "tempos difíceis pela frente". Mas não é preciso ser um indignado da Puerta del Sol, em Madri, para temer que ele irá ministrar remédios mais amargos do que os de Zapatero - e que, para a imensa maioria dos 46 milhões de espanhóis, a vida vai piorar antes de começar a melhorar, não se sabe quando.

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