Crônica

Setembro. Tardio setembro?

Lourdes Moreira
Setembro é o mês que mais me trás recordações. Nele há um quê do inverno que se vai e da primavera que chegará. Antigamente este mês era bem definido. Sabíamos que o inverno se esconderia e as flores primaveris reapareceriam. Nos últimos anos tudo está indefinido. Choveu e esfriou quando se esperava sol e esquentou quando se esperava que esfriasse.
Quando menina, esperava loucamente o desabrochar das primaveras. Louca por brincar com as palavras tentava ver em seus tons multicoloridos a prima que talvez fosse Vera. E Vera, para mim, era uma prima bem distante.

Hoje acordei animada. Tomei o café da manhã e preparei-me para o dia que se anunciava lânguido pelo sol que clareava as montanhas que me circunvizinham numa Ubatuba que é um convite à desmemoriada razão: deixar compromissos esquecidos na gaveta da memória e deleitar-me com as brumas e areias brancas que poucos oceanos deixam sôfregos humanos deleitá-las.

Meus  compromissos fizeram –me rapidamente voltar à razão.
 
Precisava ir ao banco e, ao adentrá-lo, uma senhora encontrava-se num dilema exíguo junto à máquina. Dei-lhe bom-dia. Ela, meio que assustada pelo meu cumprimento, acenou levemente com a cabeça. Ao sair, deparei-me com um senhor. Tentei segurar a porta para que ele pudesse entrar sem que a mesma o ferisse tal a matéria dura que compõe a segurança destes estabelecimentos. Nem ao menos me agradeceu. Entrou e pronto.

Senti-me desconsertada frente aos primeiros humanos com que me deparava. Sabia que meu dia apenas se iniciava e, talvez, comemorasse o sol com pessoas mais amistosas. Ledo engano. Dirigi-me a uma escola para lá deixar papéis necessários à vida profissional desta educadora que ainda crê que humanos se rebelam sim com causa na causa.

No estacionamento, uma garota que a mim pareceu mal saída da fase mais descompromissada do ser, a infância, onde ainda deduzimos que se pode brincar com carrinhos ou bonecas, vociferava horrores sobre o que pensava da atitude do diretor da escola. Divaguei tristemente sobre qual fato causara àquela menina moça tanto descontrole emocional. Soube, pelos profissionais do estabelecimento, que a menina moça havia desacatado todos na escola inclusive os próprios colegas de classe. Que ultimamente vinha à escola apresentando sinais de embriaguês ou de estar ingerindo alguma substância que a deixava descontrolada.

Senti-me triste num desabrochar da primavera. Em meus anos de menina moça brincava com as palavras de uma linda prima que talvez fosse Vera… Hoje, uma grande maioria de meninas moças brinca com brinquedos que as transformam. Brincam com a bebida alcoólica que levam logo cedo em garrafinhas singelas de água para a escola, com singelos cachimbos      onde fumam crack destemidas de seu alto grau de destruição ou com cigarrilhas de papel onde a maconha faz crerem serem felizes num rápido desligar do mundo real.

Relembrei a senhora e o homem que havia tentado ser com eles gentil em meu princípio da manhã. As pessoas estão tão arredias… tão assustadas… tão violentas…

Aquela menina moça talvez seja fruto de tudo o que nossa sociedade tem permitido proliferar em nosso meio. Corrupção inescrupulosa, falta de segurança pública, de saúde pública, com boas clínicas (também públicas) de recuperação para nossos jovens acometidos pela dependência química, de leis severas para infratores… Aquela menina moça, aquele homem e aquela mulher que encontrei naquela  manhã de quase primavera eram o retrato em branco e preto de nossa sociedade. Estavam arredios a uma sociedade que tem escutado calada aos anseios dos cidadãos. Que fazem parte de uma sociedade que não sabe o poder que tem nas mãos. Que prefere o ostracismo a tomar uma decisão: ir às ruas e erguer a bandeira da decência, da seriedade, da não-corrupçaõ. A bandeira da vergonha nacional onde jovens meninas moças (ou meninos moços) possam ser sadias e produtivas para nosso país, onde cada cidadão sinta-se seguro num  bom dia primaveril.

Quero muito que, quando a primavera chegar,possa estar menos triste com esta manhã quase primaveril. Depende de nós; de cada cidadão brasileiro através de escolhas sérias e dignas de nossos representantes seja no Poder Legislativo ou no Poder Executivo.
Que neste ano meu setembro não seja tardio em minhas manhãs primaveris.

Lourdes Moreira
Profª Municipalizada da Rede Estadual de Ubatuba.

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Comentários

Alguns fatos ou boatos tem me deixado triste com relação a Ubatuba......

Uma cidade que sempre foi tão boa e pacata que talvês as pessoas não tenham a experiência para lidar com certas mudanças sociais, sempre tão complexas....

A sociedade Ubatubense talvêz não saiba o poder que tem nas mãos mas deve saber que tem nas mãos uma das Cidades mais bonitas e com grande potencial de manter um altíssimo nível de qualidade de vida…….

Enquanto que a Educação multiplica o poder da sociedade munindo-a de meios e consciência para agir, as drogas e a indiferença com o outro são destruidores desse poder pois quando não se tem dignidade própria e não se respeita a do outro não há mais causa justa para lutar.

É preciso que pessoas como a Prof Loudes que tem uma história em Ubatuba e que contribuiram para as boas recordações desta cidade, continuem a educar e a distribuir sorrisos e gentilezas pelas ruas, praias e escolas pois as pessoas são mais influenciadas por quem lhes demonstra afeto……

É preciso, como preconiza a Prof. Loudes “ir às ruas e erguer a bandeira da decência, da seriedade, da não-corrupção”. Senão os cidadãos de bem de Ubatuba acabarão por se resignar ao derrotísmo vão de culpar os problemas de sua cidade a Maldição do Cunhambébe.

Emanuel de Souza Pereira

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