Opinião

Só falta o etanol

O Estado de S.Paulo - Editorial
Senadores americanos deram mais um passo para abrir o mercado de seu país ao etanol estrangeiro - uma velha reivindicação brasileira. Republicanos e democratas concordaram em votar uma lei para eliminar os subsídios à produção nacional e a tarifa de importação de álcool combustível. Falta incluir as medidas num projeto e submetê-lo à votação no Senado e na Câmara, mas a aprovação é tida como certa. Autoridades e produtores brasileiros celebraram a novidade, mas falta um detalhe para a festa ser completa: o etanol. A produção brasileira tem sido insuficiente para abastecer o mercado interno e, se o mercado americano se abrir nos próximos meses, os fabricantes brasileiros serão incapazes de se beneficiar da abertura.

Durante anos o governo brasileiro alardeou pelo mundo as qualidades do etanol nacional. O Brasil, segundo diziam, pode oferecer álcool mais barato que o de seus concorrentes e, além disso, produzido sem danos ambientais importantes e sem prejudicar a oferta de alimentos. Tudo isso é verdadeiro. Por todos esses fatores o Brasil pode ser o maior e mais competitivo exportador de etanol - se dispuser de mercadoria suficiente para vender no mercado externo.

A promoção do álcool brasileiro no mercado internacional foi uma das principais atividades do presidente Lula, quando se ocupou de diplomacia comercial. A abertura de mercados estrangeiros foi um tema constante da diplomacia petista nos últimos oito anos. Mas o governo jamais tratou seriamente uma questão fundamental: como garantir produção suficiente para aproveitar as oportunidades comerciais? No entanto, deveria ter levado a sério essa pergunta, porque nunca foi segredo a insuficiência da produção brasileira para suprir os mercados interno e externo.

A oferta de etanol tem sido insuficiente, nos últimos tempos, até para atender à demanda interna. Agora mesmo, apesar da nova safra de cana, a redução do preço do álcool tem sido moderada. Embora tenha caído em maio e junho, o preço do etanol nos postos de combustíveis continuava no fim do mês passado mais alto do que em janeiro, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No fim do semestre o preço era 5,95% maior que no começo do ano. O aumento acumulado nos 12 meses de 2010 foi menor e ficou em 4,36%.

O encarecimento do etanol, no mercado interno, é em parte explicável pela valorização do açúcar nos mercados internacionais. A demanda é alta. Na quinta-feira passada, 79 navios estavam em filas, nos portos brasileiros, para embarque do produto.

Mas a oferta de açúcar também tem sido insuficiente para atender à demanda internacional, embora os usineiros venham dando preferência a esse produto. O problema é bem mais complicado do que parece quando se considera somente a relação entre os preços e as decisões tomadas pelos fabricantes.

Neste ano, desde o começo da safra até a primeira quinzena de junho, foram moídos 134,5 milhões de toneladas de cana, 22,6% menos que na safra anterior, segundo a consultoria Datagro. A produção de cana é insuficiente para todas as necessidades e isso se deve apenas parcialmente às condições do tempo. A causa mais importante é outra. O plantio de cana tem aumentado menos que a demanda de açúcar e de etanol. Simplesmente falta matéria-prima e a indústria deve operar neste ano com uma ociosidade equivalente a 80 milhões de toneladas de cana.

Falta investimento tanto para ampliação quanto para renovação de canaviais. Só para suprir os veículos flex nos próximos dez anos seria necessário produzir mais 400 milhões de toneladas de cana, segundo estimativa dos técnicos do setor. Isso quase equivale à produção estimada para o Estado de São Paulo neste ano, 437,5 milhões.

Representantes do governo têm esbravejado e tentado garantir a oferta interna de álcool com ameaças. Isso é inútil. É hora de pensar numa política de produção e de formação de estoques, sem voluntarismo e sem intervenções despropositadas. Se o governo for incapaz de equacionar o problema e de planejar a solução, o Brasil será incapaz de abastecer o próprio mercado e ainda perderá excelentes oportunidades no comércio global.

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