Coluna Luiza Eluf

Justiça tardia

Luiza Nagib Eluf
No dia 20 de agosto de 2000, no Haras Setti, localizado no município de Ibiúna, estado de São Paulo, por volta das 14h, o jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves, então com 63 anos, tomado de ciúme e rancor pela ex-namorada e colega de profissão Sandra Gomide, de 32 anos, matou-a com dois tiros. O primeiro, dado pelas costas, derrubou-a ao solo; o segundo, na cabeça, foi dado à queima roupa. Era um domingo de sol e Sandra tinha paixão por cavalos. Ela pensava em relaxar das tensões provocadas por Pimenta. A moça queria o fim definitivo do namoro, mas ele não se conformava.

Onze anos depois dos fatos, Pimenta Neves acaba de ser preso. Ele foi julgado pelo Tribunal do Júri em 3 de maio de 2006, depois de trocar várias vezes de advogado. Sua defesa fez o possível para adiar ao máximo o julgamento e conseguiu, mas isso de nada adiantou. Pimenta foi condenado a 19 anos, 2 meses e 12 dias de reclusão, por homicídio duplamente qualificado. Ao término do julgamento pelo Júri, o Ministério Público pediu imediata prisão do réu, mas o juiz negou-a, sob o fundamento de que seria preciso aguardar o trânsito em julgado da sentença condenatória. Na época, tal decisão frustrou profundamente a população, que tinha esperança na Justiça. A defesa da Pimenta Neves recorreu ao tribunal de Justiça de São Paulo, que manteve a condenação e determinou a expedição de mandado de prisão. Mais que depressa, os defensores do réu entraram com habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, que foi concedido. O STJ ainda diminuiu a pena para 15 anos de reclusão e determinou que se esperasse o fim do processo, ou seja, o julgamento do último recurso, para que o acusado fosse preso. Os advogados de Pimenta entraram com cerca de 25 recursos e adiaram a decisão final por onze anos. Há poucos dias, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalmente julgou o último recurso e determinou que Pimenta se recolhesse ao cárcere.

As delongas judiciais são intoleráveis. É um absurdo que qualquer pessoa, depois de condenada por crime hediondo, consiga ficar tanto tempo em liberdade usando de artimanhas jurídicas protelatórias. Por sua vez, é inacreditável que a própria Justiça se preste a esse papel. Os acusados que não dispõem de recursos financeiros suficientes para sustentar as incontáveis medidas recursais que nossa lei prevê são recolhidos ao cárcere assim que o Júri profere sua decisão condenatória soberana. Pimenta foi uma exceção, beneficiado por sua classe social. Além disso, ele cometera um crime passional e a cultura machista tende a ser mais tolerante quando o homem mata a mulher porque ela o rejeitou ou o trocou por outro. Um absurdo inexplicável diante da Constituição Federal que estabelece igualdade absoluta entre homens e mulheres no Brasil. A decisão do Ministro Celso de Melo, e respectiva turma julgadora, ao decidir definitivamente sobre o processo e expedir o mandado de prisão contra Pimenta Neves, veio, finalmente, trazer o alento que a população do país e a família da vítima aguardavam, torturados pela impunidade. No entanto, o fato deve levar a reflexões sobre nossa Justiça e nossos padrões de comportamento. Ou seja, mulheres não são obrigadas a gostar de quem não gostam, mulheres têm direitos sexuais iguais aos dos homens, mulheres podem romper suas relações amorosas ou trocar seus namorados por outros sem acabar assassinadas. Com relação à legislação, já não é mais possível conviver com o enorme número de recursos que fazem dos processos uma agonia sem fim. Mesmo que Pimenta tenha declarado aos meios de comunicação que preferiria ter acabado com o processo mais cedo, é evidente que foi sua defesa e a morosidade da Justiça as responsáveis pelo prolongamento excessivo.

O Ministro Cezar Peluzo, presidente do STF, propõe importante reforma legal para que se possa executar a sentença judicial a partir do momento em que se profere uma decisão de segunda instância. Dessa forma, mesmo havendo novos recursos para os Tribunais Superiores, o réu condenado deve iniciar o cumprimento da pena. Se essa alteração legal prosperar, a Justiça se tornará bem mais rápida.

Por fim, é preciso que a população perceba o absurdo do crime passional. Essa aberração só existe porque os homens ainda não perceberam a necessidade de respeitar as escolhas das mulheres. A paixão tem prazo de validade. Como pondera Gilberto Gil em uma de suas canções, o fim do amor – alguma dor, talvez sim, que a luz nasce da escuridão.

Luiza Nagib Eluf é Procuradora de Justiça do Ministério Público de SPaulo. Foi Secretária Nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça no governo FHC; foi Subprefeita da Lapa na gestão Serra-Kassab; tem vários livros publicados, dentre os quais “A paixão no banco dos réus”, sobre crimes passionais, e “Matar ou morrer – o caso Euclides da Cunha”.

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