Opinião

A China conduz o quinteto

O Estado de S.Paulo - Editorial
Brasil, Rússia, Índia, China e, a partir de agora, África do Sul formam talvez o mais peculiar dos blocos no cenário mundial. Para começar, não nasceu da iniciativa de nenhum dos seus membros, mas de um artifício de redação de um analista econômico da megafinanceira Goldman Sachs, em 2001. Ordenando a seu gosto as iniciais dos quatro países, o autor cunhou a sigla Bric, que soa em inglês como brick, tijolo, para designar as forças emergentes fadadas a influir cada vez mais na construção do novo sistema multipolar nas relações internacionais. O analista não tinha a intenção de sugerir que essas potências em ascensão estariam igualmente fadadas a agir como um bloco, falando com uma só voz, ou a criar mais uma instância multilateral no espaço global já saturado de organismos do gênero.

Mas, mesmo não compartilhando interesses estratégicos, econômicos ou mesmo comerciais - na verdade, há mais pontos de divergência do que de convergência nas políticas dos quatro países -, os respectivos governos viram na propagação do termo, como se fosse o nome de um bloco efetivo, uma oportunidade de aumentar a frequência das aparições de seus países nos palcos planetários. E assim formaram um clube cuja finalidade primeira seria a de aumentar a participação ou o ingresso dos seus sócios em outros clubes já consagrados. Essa pelo menos tem sido a tônica dos três encontros mantidos pelos chefes de Estado do agora quinteto. No último, que acabou de se realizar em Sanya, na ilha chinesa de Hainan, consumou-se a admissão da África do Sul - embora, a julgar exclusivamente por suas posições no ranking das economias emergentes, outros países estivessem mais bem credenciados para a cooptação. É o caso do México, Coreia do Sul, Turquia e Indonésia.

A preferência pela África do Sul, com o que se agrega a letra S (de South Africa) ao acrônimo Bric, foi uma vitória da China. Não que os demais tivessem objeções a isso ou cultivassem discretamente outras alternativas, e seria de qualquer forma descabido desconsiderar a crescente projeção internacional da mais moderna nação africana. Mas a sua inclusão na entidade, sob o argumento de que seria a mais apropriada representante do continente inteiro, vem a calhar para a acelerada expansão da presença econômica chinesa na região. O fato é, por sinal, que a China está se tornando o centro de gravidade do grupo - um prêmio para o empenho de Pequim em fazer do que não passava originalmente de uma sigla um fórum cercado de atenções como os encontros do G-8 e do G-20.

A hegemonia chinesa se dá a ver na linguagem da Declaração de Sanya, o documento final do evento. Como mostra o jornalista Jamil Anderlini, do Financial Times, o texto está repleto de termos comumente empregados pelas autoridades e pela mídia estatal chinesa e, além disso, numa conversa com jornalistas, um porta-voz do governo chinês disse que o século 21, para os Brics, "deve ser de paz, harmonia, cooperação e desenvolvimento científico" - expressões típicas do jargão do Partido Comunista Chinês. Com isso, nota o jornalista, o regime passa ao público interno a impressão de que "está começando a disseminar sua mensagem no exterior e a exercer influência sobre outros mercados emergentes". Esses estratagemas são corriqueiros. A questão é saber se se fundamentam na realidade.

O Brasil, por exemplo, não perde ocasião de afirmar que ganha corpo junto aos seus interlocutores a sua reivindicação por um assento permanente em um Conselho de Segurança (CS) reformado. Assim foi quando se destacou que, em Brasília, o presidente americano, Barack Obama, manifestou "apreço" pela demanda. O mesmo se repetiu no alarde em torno do comunicado conjunto sino-brasileiro, na visita da presidente Dilma Rousseff a Pequim. Celebrou-se o fato de que a China concordou pela primeira vez em citar expressamente o Conselho de Segurança no contexto de pregação brasileira pela reforma das Nações Unidas. E ontem se saudou como outra vitória a igual menção na Declaração de Sanya. A verdade é que a aspiração brasileira é um problema para a China, porque dá gás aos pleitos similares dos seus rivais Índia e Japão, por sua vez apoiados pelos EUA. E o Brasil não entrará sozinho no CS.

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