Coluna do Mirisola

A senzala e a revolução de Zuckerberg

“Para Mark Zuckerberg & Associados, eu não só escrevo, como 'compartilho', 'curto' e me solidarizo com amigos, que igualmente engrossam o caldo e a conta do nerd dos infernos”

Marcelo Mirisola
Quando me dei conta, já era tarde. Havia sido tragado pelo Facebook. Tudo o que pensava já vinha empacotado e embalado no formato Zuckerberg & Associados. E o mais grave, o que eu não pensava também.

Quem é que não quer publicar e ter retorno imediato? Mesmo com 11 livros na praça, eu continuo querendo. Trata-se de uma questão de honra pra qualquer vaidoso que se preza, ainda mais prum cara como eu; carente, talentoso e verborrágico, vindo lá dos idos da Sessão Coruja. Desde o primeiro original até Maria Rita Kehl fazer a ponte com a editora Estação Liberdade, foram oito longos anos sendo recusado por editoras, e praticamente incomunicável.

Bom demais publicar no facebook. Sem falar na quantidade de amigos e na possibilidade erótica que vem a reboque. Em menos de um mês consegui mais de mil amigos: nenhum deles me telefonou para saber se eu precisava de alguma coisa no dia que tive uma conjuntivite braba e fiquei impossibilitado de “compartilhar” pérolas na rede. Mesmo assim, os considero amigos (alguns existiam antes da internet, impressionante né?); são amigos porque existe um filtro maravilhoso para bloquear pentelhos.

Mas essa possibilidade já era realidade nos blogues, diria o espírito de porco. E eu responderia. Nem tanto. O grande pulo do gato de Mark Zuckerberg foi juntar todos os milhares de blogues e leitores de blogues e os perdidos no espaço da gosma virtual num mesmo lugar. Quase impossível não sucumbir vertiginosamente à senzala de Zuckerberg. Um lugar onde não se pode fazer corpo-mole (nem ser vitimado por uma conjuntivite ... ) sob o risco de não mais ser “curtido” pelos amigos.

Na senzala de Zuckerberg, todos trabalham felizes, e de livre e espontânea vontade. Nem parece senzala.

Aqui, faço um parêntese.

A imagem e a semelhança perderam a devida correspondência. Banco não parece banco. Guerra não é guerra. Sandy é devassa. Até a hipocrisia perdeu status, virou qualquer coisa amparada pela lei Rouanet. Vivemos a época dos eufemismos fantasmas.

Voltando.Um amigo recente, que também conheci no mundo virtual e que graças a Deus descambou pro buteco, o Walber Schwartz, me disse o seguinte (via facebook, claro): “O cara é odiado mas todo mundo consome o que ele faz. E usa o que ele faz para falar mal dele. A crítica é absorvida como parte do sucesso. Para mim,isso é genialidade”.

Como é que eu posso discordar? E como é que eu podia deixar de acrescentar: nerd f.d.p dos infernos. Gênio. Deve ser a reencarnação quádrupla de Henry Ford, Bob Fischer, Charles Manson e Costinha, tirando um sarro da nossa cara.

De qualquer forma, é muito bom estar lá, receber afagos e a “curtição” dos amigos. Um vício. Mas não deixa de ser legítima – apesar do argumento do Walber – minha contrariedade: não me conformo com o fato de estar enriquecendo esse nerd diabólico sem ganhar um centavo. Quando postei essa reclamação, me acusaram de estar fazendo pose de bolacha, a última do pacote. Disseram p’reu deixar de ser metido; afinal , como escritor, eu estaria lucrando com minhas reclamações, uma vez que o facebook serviria – sobretudo - como uma vitrine. Outro xeque-mate do sr. Zuckerberg.

O engraçado é que, antes do advento do facebook, esse tipo de argumento era mais do que o suficiente para mandar as simpáticas editoras de suplementos de comportamento - que me pediam “colaborações” - pros quintos dos infernos. Eu pensava: só o que me falta, escrever de graça pros Civitta, Alzugaray & assemelhados.

Mas, para Mark Zuckerberg & Associados, eu – que estou muito longe de ser a última bolacha do pacote ... – não só escrevo, como “compartilho”, “curto” e me solidarizo com meus amigos, que igualmente engrossam o caldo e a conta do nerd dos infernos. Mesmo sabendo que hoje, depois de quase dois meses dedicados ao tronco, perdi dezenas de argumentos que – queiram ou não queiram meus amigos de facebook – são (ou eram...) meu pão de cada dia, ainda assim, eu continuo na Senzala Zuckerberg, firme e forte – provavelmente essa crônica será festejada lá.

Como um masoquista compulsivo, mesmo sabendo que estou levando prejuízo, eu insisto. Vejam só. Ao reclamar da atual safra de cantoras e cantores chatos, Lenine, Ana Carolina, Jorge Vercilo e cia ltda,e ao dizer que eles acabariam fazendo com que eu gostasse do Djavan, esqueci de dizer que todos eles juntos – somados os filhos e netos da Elis – não valiam uma unha micosada do dedão do pé de Benito di Paula. Não disse, e perdi o embalo. Qual a graça de desenvolver uma crônica cujo assunto já foi abordado, discutido e rediscutido na Senzala, digo, Facebook?

O fato é que no minuto seguinte, ninguém mais se interessaria em voltar ao tema. Porque a demanda ou as palavras mágicas (que eu abomino na minha vidinha pacata) são: insight, produção e urgência. Não faria nenhum sentindo, por exemplo, um George Perec existir no facebook. Muita gente boa, que merece mais do que uma “curtição” instantânea, seria e é inviável nas redes sociais. André Sant’ Anna, lamento comunicar seu falecimento. Não deixe de ir ao meu velório, também morri pras grandes narrativas e gosto (ou gostava) de você e das coisas que você fazia, aquele seu show epilético com a Vanessa Bumagny era mesmo impagável... mas pensando bem, Georges Perec não faz sentido em lugar algum. Nunca mais drinque no dancing, meu caros.

Ou seja. O trabalho que demorava anos e anos para amadurecer e ser pesado, pensado e repensado, e depois disso escrito e reescrito, para logo em seguida ser submetido ao exame das editoras (que o desprezariam) e, depois disso, levado à maleta do carteiro que invariavelmente traria as piores notícias ... enfim, depois de cumpridos todos os círculos infernais, todo esse trabalhão, de repente, viraria um passado distante.

Os problemas que eram a razão da vida medíocre que eu, e muitos pentelhos metidos a escritores levavam, acabaram. Tudo se resolve numa fração de segundo-zuckerberg. No lugar em que antes pairavam somente os escolhidos pela eternidade, hoje, qualquer um pode dar seus pitacos e arriscar um lugar ao céu. Se é bom ou ruim, eu não sei. Sei que, embora as vidinhas continuem medíocres, a História mudou de tempo e de lugar. Toda a angústia e mais um caminhão de carências foram sepultados num passado remoto e risível. As possibilidades e os desdobramentos são de outra ordem. Um “cliquezinho” é capaz de transformar toda a metafísica de um Pirandello em pó.

***
A pergunta é: e o que vem no lugar de?

***
Bem, aqui reside a parte boa e incontrolável dessa bagaça. Não dá para negar o poder de fogo das redes sociais: temos o falecido orkut, os vivíssimos facebook e o tuíter (desse não participo, Zuckerberg suga todas as minhas forças ...) e mais o linkedin e outras redes que desconheço e outras que virão.

O fato cristalino: Não dá para negar o poder de representação do facebook. Vou repetir o termo, poder de representação. Aquele mesmo que os políticos cansaram de usurpar nas câmaras, assembléias e em seus gabinetes.

E, sobretudo, não dá para negar o poder efetivo de subversão que essas redes efetivamente materializaram. O elo que havia se perdido por falta de conexão entre a distância dos poderes constituídos (tanto faz se autoritários ou democráticos) e a realidade de quem se fode e paga imposto e não obtém nenhuma “curtição” como recompensa, esse elo – independentemente do status quo - se formou. A conexão foi se construíndo e se constituindo nas redes sociais como se fosse uma egrégora engasgada há séculos que finalmente deu as caras: livre de formalidades, incisos e “nobres” interesses, livre de bandeiras e limites territoriais.

As estruturas – todas - estão ruindo. A representatividade passa longe dos discursos empolados dos tiozinhos de cabelo pintado. Há uns cem anos, o pai de Jorge Luis Borges dizia ao filho que haveria um tempo em que o mundo não precisaria mais de prisões, açougues, democracia, generais e governos.

Desconfio que ele estava certo, com exceção dos açougues.

Diante do poder de mobilização de um facebook (vide os levantes recentes na África e no Oriente Médio, sem falar na Europa que daqui a pouco – ou mais uma vez ... – como diz meu amigo Paulinho ‘Picanha’ de Tharso, “vai virar geléia”). Isto é, diante da força e da volúpia redescobertas pelas massas-zuckerberg, Montesquieu e sua divisão de poderes, a figura de um Obama imperial ou Congresso Nacional de qualquer país democrático soarão tão irrelevantes, desnecessários e fora de contexto como os penachos e medalhas do uniforme de um palhaço carniceiro do feitio de Gadaffi.

Não vamos nos iludir. O start foi acionado. Porque é uma ilusão achar que as massas estão pedindo por democracia, elas claramente dispensam e rejeitam as tiranias e pedem por liberdade, que é algo totalmente diferente de ordem, progresso e conversa mole pra boi dormir, liberdade é algo explosivo, inevitável e imprevisível (um sentimento volúvel e caprichoso, que ora pode se associar a democracia, ora a sangue derramado e guilhotina); liberdade, hoje, é algo que talvez nem o senhor Mark Zuckerberg saiba o que é.

PS: Gostaria de cumprimentar os novos colunistas do Congresso em Foco. Especialmente dar minhas boas-vindas a Manuela D’Ávila, que é uma gatona.

Considerado uma das grandes revelações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.

Twitter

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu