Opinião

O orçamento paralelo

O Estado de S.Paulo - Editorial
Mantido no posto pela presidente Dilma Rousseff, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, precisará desfazer o rolo armado nas finanças federais durante seus últimos anos no Ministério, quando serviu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre 2006 e 2010 o governo acumulou volumes crescentes de restos a pagar, empenhando despesas num exercício e deixando a liquidação financeira para o seguinte. Mas nem toda liquidação ocorreu no prazo oficialmente previsto e os valores em atraso foram sendo empurrados para a frente. Além disso, o Orçamento-Geral da União cresceu em todos os anos e isso também contribuiu para inflar o total de pagamentos adiados. Disso resultou a criação de uma espécie de orçamento paralelo, cada vez mais difícil de administrar.

Em 2005, o valor de restos a pagar - R$ 21,68 bilhões - foi R$ 10,03 bilhões menor que o do ano anterior. A partir daí o montante cresceu de forma ininterrupta e chegou a R$ 128,78 bilhões, valor herdado pela presidente Dilma Rousseff em seu primeiro ano de mandato. Esse valor não aparece no Orçamento e, portanto, não é atingido pelo corte de R$ 50,1 bilhões anunciado pelo governo federal e detalhado no começo da semana passada pelos ministros do Planejamento e da Fazenda. O alerta partiu do economista Mansueto Almeida, do Ipea, e foi divulgado em reportagem publicada no Estado nessa quarta-feira. Para ajustar de fato as suas contas, o governo precisará, portanto, cortar muito mais que o valor prometido na semana passada. Isso já foi reconhecido no Ministério da Fazenda e o secretário do Tesouro, Arno Augustin, já anunciou a intenção de quitar apenas R$ 41,1 bilhões neste ano.

Cancelar o resto dos atrasados - ou a maior parte - será a melhor solução para o problema. O secretário também admitiu uma saída desse tipo. A decisão deverá desagradar a muitos parlamentares, porque boa parte dos atrasados corresponde a investimentos propostos nas suas emendas ao projeto de Orçamento. A alternativa será o adiamento dos desembolsos, mais uma vez, e, portanto, o prolongamento do problema. Um atrito com a base aliada será inevitável, se o governo estiver de fato disposto a começar uma faxina em suas contas.

O custo político adicional, apesar de tudo, deverá ser limitado, porque o governo já deu o passo inicial, e mais difícil, quando se dispôs a podar cerca de R$ 18 bilhões de projetos incluídos na lei orçamentária de 2011, aprovada no fim de 2010. Esses projetos haviam sido acrescentados com base numa receita reestimada e inflada pelos congressistas. Essa reestimativa foi podada pelo Executivo antes da sanção presidencial. O Executivo não é obrigado a custear os projetos propostos nas emendas, porque o Orçamento apenas autoriza a despesa, mas não a impõe. Apesar disso, o Executivo não costuma - ou não costumava - anunciar o descumprimento das emendas. Preferia usar seu poder discricionário para favorecer parlamentares aliados, dando prioridade à liberação de recursos para os projetos de seu interesse. Ao explicitar a supressão das emendas, neste ano, o Executivo adotou uma política diferente e assumiu um risco político normalmente evitado nos governos anteriores.

Mas o ajuste, mesmo com os cortes de restos a pagar, deverá ser insuficiente para compensar o desempenho fiscal dos últimos dois anos. O resultado primário tem sido pior do que indica o discurso oficial.

O governo tem aumentado sua dívida bruta para reforçar os bancos estatais. Mas a dívida líquida não aumenta em valor igual, porque essa ajuda é contabilizada como empréstimo e, portanto, é compensada pelo menos parcialmente por um crédito correspondente.

A maquiagem mais evidente ocorreu no ano passado, quando a capitalização da Petrobrás acabou gerando, contabilmente, uma receita de R$ 31,9 bilhões para o Tesouro. Para uma efetiva arrumação de suas contas o governo precisará adotar, além de cortes corajosos, uma política de maior clareza em suas informações. Também para isso o Ministério da Fazenda terá de renegar as práticas dos últimos anos.

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