Opinião

O desafio da prosperidade

O Estado de S.Paulo - Editorial
O crescimento de 7,5% no ano passado foi a primeira boa notícia econômica de ontem - um motivo para comemoração, embora não tenha havido surpresa. A segunda boa notícia foi a reação do governo, moderada e sensata. O Brasil não pode sustentar um ritmo chinês, mas provou nos últimos anos sua capacidade de crescer em torno de 5%, comentou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. A presidente Dilma Rousseff qualificou como "razoável" o desempenho da economia em 2010 e logo lembrou a prioridade imediata, o combate à inflação. A evidente mudança de estilo pode ser indício de algo mais importante - um compromisso mais sério com as condições necessárias ao crescimento de longo prazo. Uma dessas condições é a expansão do investimento, apresentado nas contas nacionais sob a rubrica de "Formação Bruta de Capital Fixo".

O investimento em máquinas, equipamentos, instalações e infraestrutura cresceu 21,9% no ano passado. Mas o total aplicado equivaleu a apenas 18,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2008 essa relação havia chegado a 19,1%. Essas taxas são muito menores que as observadas na China e em várias outras economias dinâmicas.

O Brasil não precisaria investir tanto quanto se investe naqueles países, para manter um bom desempenho, mas elevar o investimento a uns 23% 0u 24% deve ser um dos objetivos prioritários da política econômica. Além disso, não basta aumentar o valor destinado à formação bruta de capital. É preciso um esforço muito maior para ampliar e modernizar a infraestrutura, um dos pontos mais fracos da economia brasileira. As empresas podem aumentar sua capacidade produtiva comprando mais e melhores máquinas, mas seu trabalho será prejudicado se não dispuserem de estradas, ferrovias e instalações portuárias adequadas ao transporte dos produtos.

Parte importante do investimento em infraestrutura depende do setor público, mas, nessa área, somente a Petrobrás tem demonstrado eficiência na formulação e na execução de planos. Quanto à mobilização do setor privado, por meio de concessões e de parcerias, tem sido muito menos intensa do que deveria ser, porque o governo foi incapaz, nos últimos oito anos, de criar condições favoráveis a um maior envolvimento dos investidores particulares.

Um longo período de crescimento dependerá também da estabilidade fiscal e da solidez das contas externas. O ajuste orçamentário anunciado nesta semana pode ser pouco ambicioso, mas pelo menos é um sinal positivo. Pode ser o passo inicial de um projeto mais amplo de arrumação do setor público federal, com maior atenção à produtividade e à qualidade do gasto, itens pouco valorizados - ou até mesmo desprezados - nos últimos oito anos, em Brasília. Melhores padrões de administração e de uso do dinheiro público serão essenciais para o aumento da taxa de poupança, limitada a 16,5% do PIB no ano passado. Mesmo para alcançar o modesto investimento de 18,4% do PIB o País precisou de recursos do exterior.

Para crescer com segurança, o País dependerá também de contas externas saudáveis. Um pequeno déficit na conta corrente do balanço de pagamentos pode ser aceitável e até favorável ao crescimento, quando coberto com investimentos diretos e outros capitais seguros. A experiência brasileira mostrou mais de uma vez, no entanto, quanto é difícil manter o déficit em níveis toleráveis e administráveis.

No Brasil, o déficit ainda parece razoável, mas as contas externas têm piorado em ritmo preocupante. Além disso, a piora está vinculada à perda de competitividade do produtor nacional.

Parte do problema está no câmbio valorizado. Isso se reflete no descompasso entre o crescimento das exportações e importações de bens e serviços - 11,5% e 36,2%, respectivamente, segundo as contas divulgadas ontem pelo IBGE. Mas a perda de competitividade está relacionada também a outros fatores, como o peso da tributação e as más condições da infraestrutura. Competitividade é essencial não só para o crescimento das empresas, mas também, no limite, para sua sobrevivência. Também esse recado está embutido nas contas nacionais.

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