Opinião

A guerra dos bancos

O Estado de S.Paulo - Editorial
O primeiro desastre mundial da era da globalização foi causado não pela disputa feroz de mercados nem pelas alterações nas cadeias de produção, com as consequentes mudanças nas condições de emprego, mas pela hipertrofia do setor financeiro. Vários números podem confirmar a descontrolada expansão do setor, mas basta um para dar uma ideia do gigantismo doentio. Quando a crise começou, a soma dos derivativos de vários tipos equivalia a US$ 600 trilhões, dez vezes o produto bruto do planeta. Um ano antes, havia chegado a US$ 700 trilhões.

Foi como se um novo segmento de negócios houvesse crescido e adquirido impulso próprio em poucos anos - duas décadas ou nem isso - e o fenômeno pouco chamasse a atenção dos especialistas. Isso foi apenas parte das transformações ocorridas no mundo financeiro. Quando o sistema entrou em colapso e pôs em risco a saúde econômica da maior parte do mundo, as autoridades tiveram de improvisar medidas para lidar com um problema desconhecido.

O custo foi jogado sobre quem não tinha responsabilidade pelos desmandos cometidos durante anos em mercados livres de regulação ou regulados de forma insuficiente. Governos jogaram centenas de bilhões de dólares, libras ou euros no mercado para deter a quebradeira e impedir uma depressão. Bancos foram estatizados. Outros foram sustentados com injeção de dinheiro público. Autoridades monetárias criaram liquidez em escala sem precedente para tentar manter os mercados em funcionamento. O Banco Central Europeu, depois de uma reunião de emergência, lançou no sistema ? 95 bilhões, numa de suas intervenções mais dramáticas.

Depois de haver permitido, sem o perceber, a formação das condições do desastre, o setor público teve de socorrer os causadores do desastre. Foi um resgate sem precedente para salvar a economia das piores consequências. Para evitar novas situações parecidas com essa, ou talvez piores, não basta esbravejar nem ameaçar as instituições com a recusa de socorro na próxima vez. É necessário, sim, deixar claro o risco para quem cometer desmandos, mas isso é insuficiente. É preciso, sem engessar o mercado, regular as atividades financeiras com maior eficiência e elevar os padrões de segurança do sistema. É também muito importante criar mecanismos de supervisão capazes de avaliar as condições do sistema e de emitir sinais de alerta em caso de perigo.

O mundo já avançou razoavelmente na direção desses objetivos. Novos padrões de regulação foram propostos pelo Banco de Compensações Internacionais, de Basileia, conhecido como o banco central dos bancos centrais. Os países-membros do G-20 concordaram em completar a implantação das novas normas até 2019, dando ao mercado tempo suficiente para uma adaptação sem traumas.

Mas haverá dificuldade na execução da reforma. Executivos de importantes instituições financeiras deixaram clara sua oposição às novas normas disciplinares. Grandes bancos, incluídos alguns socorridos com dinheiro público, voltaram a dar lucro e seus dirigentes pretendem ter o direito de continuar operando como se nada houvesse ocorrido e não devessem explicações à sociedade.

Passou o tempo da contrição, disse há pouco um desses dirigentes. No Fórum Econômico Mundial, em Davos, banqueiros de peso dedicaram-se a combater abertamente a ideia de maior regulação do setor. Restrições mais severas aos bancos dificultarão as operações de financiamento e prejudicarão o crescimento econômico, alegaram. A insuficiente regulação, poderiam responder as autoridades, facilitou negócios irresponsáveis, a criação de uma enorme bolha e, afinal, uma recessão ainda não superada ou superada precariamente em muitos países. Banqueiros apontaram também - e quanto a isso estão certos - o risco de transferência de negócios para segmentos não regulados ou menos sujeitos a regras. Isso já ocorreu antes da crise. O remédio é estender a disciplina e a supervisão a todos os segmentos do mercado. O Brasil é, nesse caso, um exemplo a ser imitado. O mundo precisa de segurança para crescer e os governos podem aplicar o dinheiro do contribuinte mais produtivamente do que salvando bancos da quebradeira.

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