Opinião

O rumo certo para o Brasil

Rodrigo Vilaça - O Estado de S.Paulo - Editorial Econômico
Quando se discute a participação da iniciativa privada nos serviços de infraestrutura em nosso país, o setor mais citado como exemplo de sucesso é o das telecomunicações, que passou a viver uma nova realidade a partir de uma lei aprovada em 1997, com base na reforma constitucional de 1995.

Mas é oportuno lembrar que o transporte ferroviário de cargas também saiu de uma etapa extremamente negativa de gestão estatal, que sobrecarregava os cofres públicos com déficits bilionários, para um modelo de concessões que, desde sua implantação, em 1996, apresenta resultados consistentes em todos os aspectos, resgatando a importância dos trens para o desenvolvimento nacional.

Imaginem como estaria a logística de transportes no nosso país se o transporte ferroviário não respondesse pela quarta parte de toda a carga movimentada no território nacional. Podemos também imaginar em que condições estariam as próprias rodovias se não tivéssemos hoje em operação quase 100 mil vagões e 3 mil locomotivas, cuja capacidade total corresponde aproximadamente à de 357 mil caminhões.

O cenário mudou de tal forma que é difícil entender por que motivo se manteve durante várias décadas um modelo que acumulava prejuízos de R$ 1 milhão por dia. Como se sabe, a antiga Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) deixou um déficit superior a R$ 13 bilhões, que hoje seria o dobro se essa estatal não tivesse sido extinta. Tão prejudicial quanto esse enorme vazadouro nos cofres públicos foi a estagnação do setor, que emperrou o desenvolvimento econômico em várias regiões do País.

E ainda há quem critique a privatização deste e de outros setores, mesmo sabendo que as concessionárias já recolheram para os cofres públicos, na forma de impostos, Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), concessão e arrendamentos da malha, um montante superior àquele gigantesco prejuízo do antigo modelo estatal. O prejuízo virou lucro, que somente foi possível a partir de investimentos privados que já ultrapassam o montante de R$ 22 bilhões, e como resultado de uma gestão focada na eficiência das operações ferroviárias.

Embora o Brasil tenha hoje pouco mais de 28 mil quilômetros de linhas férreas dedicadas ao transporte de cargas, precisaria ter o dobro dessa extensão para atender às demandas do crescimento econômico na próxima década. O aumento de 77% na produtividade das ferrovias, de 1997 a 2009, já é consequência direta dos avanços tecnológicos, da qualificação de mão de obra e do aprimoramento das operações das concessionárias.

Apesar dos avanços operacionais, a infraestrutura ainda é precária. Cerca de 80% da malha ferroviária brasileira tem mais de um século; cerca de 23 mil quilômetros têm bitola estreita, impondo uma velocidade reduzida às composições, por mais modernas que elas sejam. A velocidade média das ferrovias no Brasil é de apenas 25 quilômetros por hora (uma das mais baixas do mundo) e chega a 5 km/h em alguns trechos, principalmente porque os trens de carga são forçados a ficar parados grande parte do tempo, por falta de contornos e variantes, excesso de cruzamentos com ruas ou rodovias e muitas construções irregulares perigosamente próximas dos trilhos.

Os resultados dos primeiros 14 anos de concessões ferroviárias são excelentes, mas ainda há grandes desafios a serem superados. Os gargalos físico-operacionais - como a diferença de bitolas, a ausência de retroáreas nos portos, as passagens de nível e as invasões de faixas de domínio - oneram os custos de transporte em toda a cadeia logística e atrasam o escoamento dos produtos brasileiros, que por isso perdem competitividade no comércio exterior. Além disso, há gargalos institucionais e políticos, como a burocracia excessiva, a falta de planejamento integrado entre os diversos meios de transporte e a defasagem do marco regulatório atual, que precisa ser ajustado às atuais demandas econômicas e às novas condições tecnológicas do transporte de carga no Brasil e no mundo.

Felizmente, o horizonte tornou-se mais promissor durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando ficou evidenciado que os trens levam desenvolvimento, e não o contrário. Não podemos ficar esperando que as regiões brasileiras se desenvolvam economicamente para somente depois tornar viável a construção de mais ferrovias, já que o investimento correto em infraestrutura se faz no sentido oposto: a construção de ferrovias estruturantes permitirá a movimentação de locomotivas, que impulsionam o progresso, e de vagões, que transportam o crescimento econômico e social, integrando as diversas regiões.

O governo de Dilma Rousseff inicia-se num momento de retomada do comprometimento governamental com um sistema integrado de transporte, que deverá ser decisivo para o futuro do País. Essa é a linha mestra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT), concretizada em obras de vulto, como as ferrovias de integração Oeste-Leste (ligando Ilhéus a Barreiros, na Bahia) e Centro-Oeste (da cidade goiana de Uruaçu até Vilhena, em Rondônia), a ampliação da malha em Santa Catarina (do extremo oeste ao litoral do Estado), a Transnordestina (interligando o interior de vários Estados a três importantes portos do Nordeste), o Ferroanel de São Paulo (que vai dar agilidade ao escoamento de cargas para o Porto de Santos) e a Norte-Sul (verdadeira espinha dorsal que permitirá a conexão entre todas as regiões brasileiras).

No entanto, assim como há gargalos a serem superados, existem ainda visões equivocadas que poderiam levar a um retrocesso se fossem adotadas como políticas de governo. É nos momentos de avanço que precisamos ter mais cuidado com a escolha do rumo a ser seguido. Para tornar a expansão e a modernização da malha ferroviária viáveis, continua sendo imprescindível a parceria do governo federal com as empresas do setor, que dependem da sustentabilidade econômica de suas operações. Se os resultados inquestionáveis da revitalização das ferrovias em nosso país comprovam o acerto do modelo de concessões, devemos preservar a segurança jurídica e, consequentemente, os investimentos de longo prazo.

São estes os trilhos que indicam o rumo certo para o Brasil.

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