Coluna do Rui Grilo

Os Tinhorões

Rui Grilo
Da piscina olho para a escada e vejo os vasos coloridos de tinhorões. Esses são os mais comuns, com as folhas em forma de triângulo, com o centro avermelhado e as bordas verdes. Mas há centenas de variedades, principalmente nas cores. Alguns são quase transparentes, parecendo feitos de plástico. Eram muito populares e nos catálogos da flora Dierberger ocupavam várias páginas.

As plantas me lembram pessoas, fatos, situações, épocas da minha existência.

Os tinhorões me lembram de um senhor que havia trabalhado muitos anos na fábrica de enxadas Nossa Senhora Aparecida, em Sorocaba.

A fábrica cresceu e se tornou Metalúrgica Nossa Senhora Aparecida.

Tinha uns 12 anos, portanto faz meio século.

Ele morava na minha rua e ficava sentado na varanda ou no jardim, sempre de chapéu e muito enrugado. Seus olhos sempre estavam cheios de lágrimas e pareciam que iam cair, se ele não os secasse com um lenço. Seus dedos eram todos retorcidos pelo reumatismo. Dizia que ficou assim porque trabalhava na fundição, recebendo o calor dos fornos e às vezes tomava chuva com o corpo quente.

Sua aparência era de um bruxo mas tinha uma paixão: os tinhorões. Em uma estufa no quintal, tinha mais de cem espécies. E toda vez que sabia que alguém tinha uma espécie diferente, pedia para eu ir buscar e me dava uma gorjeta. Logo me tornei amigo de toda a família.

Ele tinha outras plantas na estufa: begônias, violetas, samambaias, antúrios... Comecei a vender suas plantas na feira. Era uma maneira de ganhar algum dinheiro.

Meu avô era português e também gostava muito de plantas mas se dedicava apenas às frutíferas. Sua casa ficava na periferia de Rancharia, cidade onde nasci. Tinha um grande pomar com vários pés de laranja bahia, abacateiros, parreira de uva, cajueiro, mangueiras e até um pé de jatobá. Eu me lembro que, quando me mudamos para Sorocaba, meu avô mandava caixas de laranja para nós pelo trem da Sorocabana.

Tem muita gente que fuma para se acalmar quando está estressado. Uma coisa que me reconcilia com a vida e com o prazer de viver é observar as plantas crescendo. Neste final de ano senti muito prazer em ver a quaresmeira do meu quintal florir pela primeira vez e deixar o chão todo roxo com suas pétalas.

Perto da piscina nasceu um mamoeiro. Quando começou a dar flores, percebi que era mamão macho. Me deu vontade de cortar. Mas o perfume das flores é tão gostoso e atrai tanto beija-flor que não tive coragem.

Ao olhar para os tinhorões me deu uma saudade da infância e daquele velho que foi meu amigo. Não sei se minha paixão pelas plantas vem dessa amizade ou do exemplo do meu avô. Talvez seja de ambos e de boa parte da minha família.

Recentemente visitei uma das minhas irmãs e fiquei fascinado com o canteiro colorido de tinhorões na entrada de sua casa.

E Ubatuba é uma terra abençoada porque em várias trilhas na floresta e em suas ruas sempre encontro tinhorões.

Rui Grilo

Comentários

sidney borges disse…
Imagine uma floresta cheia de tinhorões, da espécie José Ramos Tinhorão. Teria um som bem brasileiro.

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu