Ramalhete de "causos"

“Foi quando sobrou até para as bananeiras”

José Ronaldo dos Santos
Depois do texto anterior, que tratou de um exemplo de vegetarianismo primitivo entre os caiçaras, recebi um telefonema da colega Fátima me recomendando a aproveitar, já que estava na região (Esporão do Tapiá), para contar aos leitores o causo da Praia do Amor. Agradeço pela sugestão. Ei-lo:

Logo após a praia da Maria Godói fica a praia da Xandra, também conhecida como praia do Amor, que é uma denominação antiga, perdida no tempo. Vários caiçaras do entorno me contaram o causo, mas a versão que prefiro multiplicar é a que escutei do velho Sabá, da praia da Enseada.

Sabá adorava uma prosa; sabia contar e adorava escutar. Deste modo ele abordou a história da Xandra:

“Pois bem, Zezinho: a praia da Xandra você conhece; nós conhecemos. Mas a Xandra nem eu conheci. Nem mesmo o meu pai a conheceu porque ela se perde no tempo da meninice do meu avô, irmão mais velho da tia Dorcelina; gente das Toninhas, de quando ainda se vivia em escravidão. Os meus antigos moravam depois do lugar onde morou o Miguel Firme, no Saco do Saquaritá, quase chegando na Godói. Dizia ele –o meu pai – que Xandra era uma escrava, trazida ne mesma leva de tantos antigos meus, mas foi liberta porque diziam ter sido uma princesa num lugar da África conhecido como Congo. Era bonita demais; logo um caiçara a levou como companheira para viver no lugar que hoje chamamos de Xandra. Sua casa servia, ao mesmo tempo, de rancho da canoa usado no dia-a-dia. Teve mais gente que cobiçou a formosa negra. Investiram...investiram...investiram...e conseguiram! Diziam que o seu fogo era tanto devido à sustância dos frutos-do-mar e de alguns amuletos que trazia da sua raiz africana. Assim, sempre queria mais do seu pescador, além de satisfazer aqueles que a procuravam escondidamente. Até falavam que o tal pescador chegou a um tempo que não aguentava mais; o fogo da negra era muito exigente para quem já vivia alquebrado da faina no mar e também cuidava da roça. Tinha que inventar coisas para não morrer disso, chegando ao ponto de se perder no mar numa ocasião. Enquanto isso, a Xandra, na mesma intensidade, continuou dando prazer a todos que a farejavam. Até pouco tempo, distante desse tempo de amor intenso, quem passasse por lá sentia o cheiro da negra no ar, como tentação da carne. Os mais afoitos cavavam buracos nas bananeiras para se aliviarem. Quanta energia!

Também aos de pouca energia, isso há menos de vinte anos, eram instigados pelas companheiras para irem lá inalar aquele ar a fim de ganharem mais forças. Tenho até a impressão que continua fazendo efeito o tal cheiro de amor porque, quando eu tinha uma barraca no Caminho do Paru, até a temporada passada, presenciei muitos homens (idoso ou mais moço) buscando a praia do Amor. Tem gente que diz ser feitiçaria da negra, da tal Xandra do Congo. Acho que é mesmo!

Agora que pouca gente sabe disso, você, se estiver precisando, pode comprovar o causo. Só não estrague mais as coitadas das bananeiras”.

E o saudoso Sabá sempre terminava suas prosas em gostosa gargalhada, capaz de contagiar até mesmo quem não entendia direito do que se tratava.

Leitura recomendada: A arte de viver, de Epicteto.

Boa leitura!

Twitter

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu