Polêmica
WikiLeaks e a encruzilhada do jornalismo
Marcos Guterman (original aqui)
Muitos excelentes jornalistas saíram em defesa de Julian Assange e seu WikiLeaks no episódio do vazamento de documentos diplomáticos americanos. Para eles, a prisão de Assange é “política”, como brada um ainda incipiente movimento brasileiro de protesto. O argumento é simples: o direito à informação é superior a qualquer outra consideração moral ou ética.
“A prisão de Julian Assange é um teste claro, voltaireano: não precisamos concordar com nada do que ele diz para aceitar que tem o direito de fazê-lo”, escreveu Paulo Moreira Leite em seu blog.
“Não há autismo intelectual que impeça o mais medíocre dos jornalistas de perceber a ardilosa campanha organizada contra a WikiLeaks”, argumentou Diego Escosteguy em seu Twitter. “Para aqueles que, como eu, subordinam seu trabalho ao princípio democrático da liberdade de expressão, é imperativo expressar indignação.”
São discursos fortes, obviamente respaldados na ideia, absolutamente correta, de que a transparência do poder público é sempre melhor do que a sombra, e na percepção de que Assange está sendo perseguido mundialmente não porque fez sexo sem camisinha, mas porque incomodou a Casa Branca.
O caso do WikiLeaks, porém, requer algumas considerações que deveriam ser levadas em conta para analisar o caso, inclusive do ponto de vista jornalístico.
O primeiro aspecto a se observar é a natureza dos documentos vazados. É muito provável que, entre os 250 mil despachos diplomáticos, haja alguma coisa relevante do ponto de vista da história; afinal, como lembrou o historiador Timothy Garton Ash, não é todo dia que podemos pôr a mão em fontes primárias tão frescas e conceituadas para entender o tempo presente.
No entanto, a maioria absoluta dos documentos vazados, a julgar pelo que veio à luz até aqui, aparenta ser simplesmente inútil para reconhecer neles alguma importância histórica ou jornalística, quer porque tratam de fatos já bastante conhecidos, quer porque resvalam na fofoca, pura e simples.
Assim, o único efeito prático desse vazamento, tomado em seu todo, tem sido o de supostamente desmoralizar a diplomacia dos EUA – para Umberto Eco, é irônico descobrir que diplomatas da maior potência do mundo comunicam “segredos” vazios, isto é, que saem antes na imprensa.
Como lembrou no New York Times o colunista Roger Cohen, porém, a revelação dos documentos do Departamento de Estado dos EUA compromete anos de trabalho de diplomatas empenhados em costurar acordos e negociações ao redor do mundo.
Em lugar de atender algum tipo de interesse público, o vazamento é simplesmente danoso, segundo esse ponto de vista, porque os contatos diplomáticos são feitos na base da confiança do sigilo.
Na Slate, Christopher Hitchens comenta que “uma das mais antigas e melhores ideias da civilização é estabelecer pequenos encraves estrangeiros soberanos na capital de cada país” e que esses encraves, destinados à resolução pacífica de impasses, precisam ter “certas imunidades especiais” para exercer suas funções, entre as quais “um alto grau de privacidade”. Para Hitchens, “mesmo a menor violação dessa antiga tradição pode causar indesejáveis e inesperadas consequências”.
Cohen, por sua vez, faz uma comparação interessante: “Todos os jornalistas sabem que, se seus contatos fossem subitamente tornados públicos, eles perderiam a maioria de suas fontes. Isso deveria fazê-los parar para pensar”.
Outro argumento foi apresentado pelo jornalista João Pereira Coutinho, colunista da Folha. Para ele, os jornalistas deixaram de fazer seu trabalho e se transformaram em “cúmplices da pirataria e da espionagem de um foragido”: “Temo pelo futuro do próprio jornalismo. Tempos houve em que os jornalistas tinham a nobre função de vigiar e criticar o poder. Uma tarefa necessária, solitária, tantas vezes perigosa, que implicava ‘pesquisa’, ‘filtragem’, ‘interpretação’. Uma fonte era uma fonte. O início do processo, não o seu fim preguiçoso. Com a WikiLeaks, o jornalismo transformou-se no latão de lixo de um delinquente cibernético. Não existe ‘pesquisa’, ‘filtragem’ ou ‘interpretação’ alguma”.
Christopher Hitchens foi na mesma direção – para ele, Assange é um “megalomaníaco inescrupuloso” que “transformou todo mundo em cúmplice de sua decisão privada de tentar sabotar a política externa dos EUA”, em nome de uma “agenda política”.
Desconsiderando-se os exageros de praxe, o fato é que o caso WikiLeaks colocou não só a diplomacia americana numa encruzilhada, mas também o próprio jornalismo, que Assange diz defender.
Nota do Editor - Quando a notícia tem procedência, é de interesse público e está baseada em documentos, deve ser publicada. O esperneio de parte da imprensa é compreensivel, o que antes era limitado a poucos, imprimir jornais e revistas é caro, fazer televisão e rádio também, hoje está ao alcance de qualquer um. Basta ter um computador conectado à Internet e fontes dispostas a entregar o ouro para furar os barões da Imprensa. Tem gente que entende isso como parte da vida, o avanço é inexorável. Tem gente que perde tempo reclamando da realidade. Discordo do senhor Cohen, cujo jogo de palavras pode confundir, mas é apenas fumaça embaçando a visão. O que é sigiloso não pode vazar. Ponto final. Se inconfidências de diplomatas americanos, chineses ou luzitanos chegarem às minhas mãos, serão publicadas. Casos extraconjugais, pederastia e coisas afins deixo de lado para dar risadas com meus amigos. O que as pessoas fazem na intimidade é problema delas. No entanto, se o dinheiro dos impostos que eu pago estiver em jogo, qualquer deslize será imediatamente de conhecimento geral. Capicce Mr. Cohen? Sidney Borges
Twitter
Marcos Guterman (original aqui)
Muitos excelentes jornalistas saíram em defesa de Julian Assange e seu WikiLeaks no episódio do vazamento de documentos diplomáticos americanos. Para eles, a prisão de Assange é “política”, como brada um ainda incipiente movimento brasileiro de protesto. O argumento é simples: o direito à informação é superior a qualquer outra consideração moral ou ética.
“A prisão de Julian Assange é um teste claro, voltaireano: não precisamos concordar com nada do que ele diz para aceitar que tem o direito de fazê-lo”, escreveu Paulo Moreira Leite em seu blog.
“Não há autismo intelectual que impeça o mais medíocre dos jornalistas de perceber a ardilosa campanha organizada contra a WikiLeaks”, argumentou Diego Escosteguy em seu Twitter. “Para aqueles que, como eu, subordinam seu trabalho ao princípio democrático da liberdade de expressão, é imperativo expressar indignação.”
São discursos fortes, obviamente respaldados na ideia, absolutamente correta, de que a transparência do poder público é sempre melhor do que a sombra, e na percepção de que Assange está sendo perseguido mundialmente não porque fez sexo sem camisinha, mas porque incomodou a Casa Branca.
O caso do WikiLeaks, porém, requer algumas considerações que deveriam ser levadas em conta para analisar o caso, inclusive do ponto de vista jornalístico.
O primeiro aspecto a se observar é a natureza dos documentos vazados. É muito provável que, entre os 250 mil despachos diplomáticos, haja alguma coisa relevante do ponto de vista da história; afinal, como lembrou o historiador Timothy Garton Ash, não é todo dia que podemos pôr a mão em fontes primárias tão frescas e conceituadas para entender o tempo presente.
No entanto, a maioria absoluta dos documentos vazados, a julgar pelo que veio à luz até aqui, aparenta ser simplesmente inútil para reconhecer neles alguma importância histórica ou jornalística, quer porque tratam de fatos já bastante conhecidos, quer porque resvalam na fofoca, pura e simples.
Assim, o único efeito prático desse vazamento, tomado em seu todo, tem sido o de supostamente desmoralizar a diplomacia dos EUA – para Umberto Eco, é irônico descobrir que diplomatas da maior potência do mundo comunicam “segredos” vazios, isto é, que saem antes na imprensa.
Como lembrou no New York Times o colunista Roger Cohen, porém, a revelação dos documentos do Departamento de Estado dos EUA compromete anos de trabalho de diplomatas empenhados em costurar acordos e negociações ao redor do mundo.
Em lugar de atender algum tipo de interesse público, o vazamento é simplesmente danoso, segundo esse ponto de vista, porque os contatos diplomáticos são feitos na base da confiança do sigilo.
Na Slate, Christopher Hitchens comenta que “uma das mais antigas e melhores ideias da civilização é estabelecer pequenos encraves estrangeiros soberanos na capital de cada país” e que esses encraves, destinados à resolução pacífica de impasses, precisam ter “certas imunidades especiais” para exercer suas funções, entre as quais “um alto grau de privacidade”. Para Hitchens, “mesmo a menor violação dessa antiga tradição pode causar indesejáveis e inesperadas consequências”.
Cohen, por sua vez, faz uma comparação interessante: “Todos os jornalistas sabem que, se seus contatos fossem subitamente tornados públicos, eles perderiam a maioria de suas fontes. Isso deveria fazê-los parar para pensar”.
Outro argumento foi apresentado pelo jornalista João Pereira Coutinho, colunista da Folha. Para ele, os jornalistas deixaram de fazer seu trabalho e se transformaram em “cúmplices da pirataria e da espionagem de um foragido”: “Temo pelo futuro do próprio jornalismo. Tempos houve em que os jornalistas tinham a nobre função de vigiar e criticar o poder. Uma tarefa necessária, solitária, tantas vezes perigosa, que implicava ‘pesquisa’, ‘filtragem’, ‘interpretação’. Uma fonte era uma fonte. O início do processo, não o seu fim preguiçoso. Com a WikiLeaks, o jornalismo transformou-se no latão de lixo de um delinquente cibernético. Não existe ‘pesquisa’, ‘filtragem’ ou ‘interpretação’ alguma”.
Christopher Hitchens foi na mesma direção – para ele, Assange é um “megalomaníaco inescrupuloso” que “transformou todo mundo em cúmplice de sua decisão privada de tentar sabotar a política externa dos EUA”, em nome de uma “agenda política”.
Desconsiderando-se os exageros de praxe, o fato é que o caso WikiLeaks colocou não só a diplomacia americana numa encruzilhada, mas também o próprio jornalismo, que Assange diz defender.
Nota do Editor - Quando a notícia tem procedência, é de interesse público e está baseada em documentos, deve ser publicada. O esperneio de parte da imprensa é compreensivel, o que antes era limitado a poucos, imprimir jornais e revistas é caro, fazer televisão e rádio também, hoje está ao alcance de qualquer um. Basta ter um computador conectado à Internet e fontes dispostas a entregar o ouro para furar os barões da Imprensa. Tem gente que entende isso como parte da vida, o avanço é inexorável. Tem gente que perde tempo reclamando da realidade. Discordo do senhor Cohen, cujo jogo de palavras pode confundir, mas é apenas fumaça embaçando a visão. O que é sigiloso não pode vazar. Ponto final. Se inconfidências de diplomatas americanos, chineses ou luzitanos chegarem às minhas mãos, serão publicadas. Casos extraconjugais, pederastia e coisas afins deixo de lado para dar risadas com meus amigos. O que as pessoas fazem na intimidade é problema delas. No entanto, se o dinheiro dos impostos que eu pago estiver em jogo, qualquer deslize será imediatamente de conhecimento geral. Capicce Mr. Cohen? Sidney Borges
Comentários