Coluna do Mirisola

Isso aqui sim é perversão, sujeira da grossa

“Depois da decepção causada pela revelação do personagem Gerson de Passione, eu não poderia deixar de republicar esse meu texto manjado, sujo e explosivo, cujo título é Festinha na Masmorra. E jamais deixaria de dar o meu pitaco com relação à ocupação do Complexo do Alemão”

Marcelo Mirisola*
Aos muito sensíveis e aqueles que têm problemas cardíacos, éticos e morais, sugiro que interrompam a leitura agora mesmo. Isso aqui sim é perversão, sujeira da grossa. Embora a crônica que siga não seja 100 % inédita, garanto que é muito oportuna.

Ou seja. Depois da decepção nacional e internacional causada pela revelação do personagem Gerson de Passione, eu não poderia deixar de republicar esse meu texto manjado, sujo e explosivo, cujo título é "Festinha na Masmorra". E jamais deixaria de dar o meu pitaco com relação à ocupação do Complexo do Alemão pelo estado brasileiro. Creio, inclusive, que é possível estabelecer uma interseção entre uma coisa e outra, ficção e realidade.

Só pra refrescar a memória. Lembram de Luis Eduardo Soares? Ele era secretário de segurança do estado do Rio de Janeiro, e defendia a mesada que o banqueiro João Moreira Salles dava ao traficante Marcinho VP . Segundo o banqueiro, VP tinha uma “centelha de humanidade”. Além disso, o dinheiro era dele e não se tratava de “mesada” mas de uma “bolsa” para o traficante escrever um livro. O governador Antonhy Garotinho, ao ser informado sobre o episódio, se não me engano no RJ-TV, demitiu Soares ao vivo e a cores. Quem lembra disso? Os escritores que se fodem nesse país deviam lembrar. Pois bem, a vida prosseguiu. Luis Eduardo Soares ocupou outros cargos em outras esferas que não me interessam e ressurge como autor de um livro muito ruim chamado “Elite da Tropa”. A partir desse livro, Jose Padilha filma Tropa 1. Ele, Soares, trabalhou como co-roteirista nesse filme junto com Rodrigo Pimentel, e no Tropa 2 também.

Agora, depois de o Estado ter ocupado a Vila Cruzeiro e as favelas do Complexo do Alemão, o dublê de roteirista e defensor dos traficantes fracos e oprimidos é entrevistado no Roda Viva e defende a tese de que os “meninos” do Exército serão corrompidos pela realidade e que as milícias tomarão o lugar dos traficantes. Ah, não me diga! E ainda tem gente que adora Luis Eduardo Soares e reproduz suas redundâncias como se fossem a tábua da lei.

Não por acaso, os mesmos crédulos acreditam que Tropa de Elite 2 é um grande filme porque denuncia “o sistema”. Que diabo de sistema? De ar condicionado? De freio? Sistema de alto falantes? O que eu quero dizer, enfim, é que seria ótimo para os fãs de Soares se tivesse ocorrido um massacre na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão. Como quebraram a cara, agora se municiam das “ressalvas”, dos “poréns” e das teses ululantes do guru, Luis Eduardo Soares. A quantidade de merda escrita nos jornais desta semana é muito maior do que a quantidade de droga apreendida pela polícia, não é exagero meu. Percorram os jornais e confiram.

E se o espírito de porco politicamente correto prevalecesse? Em outras palavras: e se a expectativa de Soares e de seus seguidores fosse correspondida? Se os helicópteros do Exército e da PM tivessem acionado as metralhadoras na hora em que os traficantes-ratazanas saíram dos bueiros da Vila Cruzeiro em direção ao Complexo do Alemão?

Ia ser um espetáculo, né? Prato cheio para os urubus. Mas não aconteceu nada disso. A operação foi um sucesso, apesar da fuga dos traficantes, do discurso ufanista, daquela baboseira de que o “bem” venceu o “mal” e dos abusos cometidos por policiais. Obvio que ocorreriam desvios e abusos. Não dá para ignorar o fato de que o ser humano é corrupto e corrompido desde sempre – fingir o contrário é corroborar a lenga-lenga de Soares. Em última instancia, é alimentar a má-fé e dar mesada pra traficante bonzinho. Ninguém aqui é ingênuo de achar que numa operação envolvendo quase 4 mil homens e várias toneladas de maconha, cocaína e mais um arsenal de guerra dando sopa, abusos e desvios não seriam cometidos. Repito: claro que seriam, e foram e serão e deverão ser exemplarmente punidos, ora bolas.

A meu ver, Soares e os seus discípulos são muito mais perigosos e letais que os policiais do Bope. Muito mais nefastos do que todos os traficantes da América Latina juntos, e muito mais corruptos e corrompiveis do que - supostamente - o Exército, a Marinha e a Aeronáutica ... depois de tudo, fica fácil meter a boca em obra alheia. Sobretudo se o alheio for de outra corrente política. Vou dizer um treco: é de revirar o estômago apoiar qualquer iniciativa que venha de Sergio Cabral e do PMDB. Mas, nesse caso, prefiro acreditar em Jose Mariano Beltrame do que nessa gente que defende Soares em colunas e editorias, que dá mesada pra traficante, expurga, destrói biografias e pune por “delito de opinião” e que é muito mais deletéria porque dissimula imparcialidade e usa de retórica (a retórica mata mais que o crack) para viciar seus consumidores de informação. E tem mais. Se Luis Eduardo Soares tem as teses dele, eu tenho as minhas. Creio que essas criaturinhas virtuosas criadas no Colégio Equipe entraram em pânico ante a possibilidade de o “sistema” contaminar o conto de fadas idealizado pelo ex-fodão capitão Nascimento (Seja Fascista, Padilha!). Ah, imagino que esses lindinhos, decerto seguindo a mesma lógica e em igual proporção, devem ter ficado chocadíssimos e enojados com o segredo revelado pelo personagem de Sylvio de Abreu: Gerson gosta de cheiro de xixi de homem, uiiii.

Ora, vão se catar cambada de hipócritas!

Dedico, portanto, essa Festinha na Masmorra a Sylvio de Abreu. Isso aqui sim é sujeira e perversão.

Festinha na Masmorra

Descobri um Clube de Sadomasoquismo que fica perto do metrô Carrão. Ando muito escroto ultimamente, e resolvi arriscar ir até lá para ver se acho uma vítima que corresponda às minhas insídias. A última vez que consegui chegar a termo foi num mosteiro da colina de Wilhelminenberg, a oeste de Viena,um mês antes de o muro de Berlim cair. O seguinte. Sou adepto de uma prática sexual hedionda. Nos dias de hoje, essa minha perversão é discriminada e repudiada até pelos mais contumazes coprófagos. Quase um crime.Vou lá na masmorra do Tatuapé – apenas – para dar uma pinta de “tarado observador”. Se revelar minha esquisitice, o clube fecha,tenho certeza . Corro o risco de ter meu nome banido de todos as masmorras sadomasoquistas do Brasil,e quiçá do exterior.

Coprofilia para quem não sabe é tesão por merda. Não é meu caso, infelizmente. O meu caso é bem mais grave. Todos os dias rola uma festa diferente no Clube Dommina. Nessa sexta-feira, vai rolar a festa dos podólatras. Coisa leve. Mas não deixa de ser uma oportunidade para travar contatos. Reconheço minhas vítimas pela sombra.

Aliás. Na última sexta-feira de cada mês, o Clube Dominna promove a noite dos podólatras. São homens que têm fetiches por calcanhares, solas, unhas manicuradas, dedão, chulés e mais uma infinidade de utilidades insuspeitas que um pé feminino, além de caminhar até a padaria da esquina e eventualmente administrá-lo na bunda do ex (falo do prosaico pé na bunda), poderia ensejar. Incluam-se havaianas, sandalinhas em geral, e saltos perfurantes. Que servem pras “rainhas” caminharem sobre os marmanjos. O nome disso é trampling. Geralmente, os pés em questão são femininos. Mas há mulheres podólatras também. Há de tudo. Mulheres que adoram pés de homem. Ou que adoram pés de outras mulheres (chulés lésbicos). Etc, etc.

O princípio do sadomasoquismo e do ar que respiramos é o mesmo: submissão e jugo. Se fulano disser “não” leva porrada, então tudo é consentido.

Será que alguém vai me encarar?

Cheguei na masmorra às 23h 30min. Fui logo puxando papo com um anão. Ele estava sentadinho em cima do balcão do bar, e tomava um coquetel tropical ou algo que o valha.

- E aí,baixinho... beleza? Qual é sua praia?

Dengo,o anão, esperava sua dona ou “domme” chamá-lo para uma seção de humilhação individual. Porque existem vexames individuais e coletivos. Disse que era um “slave” e que gostava de se vestir de empregadinha. O tesão dele era ser subjugado por mulheres, servir de cinzeiro,capacho.

- Porra anão, você é viado!

Ele se ofendeu, saltou do balcão.... e chamou o segurança. Me levaram à presença de uma tal de Aisha, que tentou me explicar quais eram as regras do clube. Depois descobri que essa Aisha era a “domme” do anão. Ela tentou me convencer que o anão era muito macho. Eu não quis polemizar: minha intenção era outra. Fingi que aceitei as explicações da mulher, e ela se deu por satisfeita. Voltei ao bar, e pedi uma dose de uísque.

Na casa existem várias salas. Depende do gosto do viado, digo, do freguês. Jaulas as mais variadas, correntes, arreios e uma tal de Cruz de Santo André que me deixou intrigado. Mas não fui perguntar para que servia. As designações e os nomes que os “entendidos” usam para eles mesmos, e para as putarias que fazem, chegam a ser quase uma piada. Domme Aisha, Rainha Têmis, Lord Dragon. Etc, etc. Se meu filme já não estivesse bastante queimado por conta da treta com o anão, juro que ia ter um acesso de riso quando um fulano veio falar comigo e apresentou-se como o Conde Black-Nazi. Mas consegui me segurar:

- Qual seu nick no Chat? – perguntou-me o Conde Black-Nazi.

Ah, esqueci de um detalhe. Foi através do Chat de Sadomasoquismo no Uol que descobri o Dominna. O Clube promove cursos e palestras e é “tudo muito higienizado”. Gente séria frequenta o lugar; donas de casa, juízes, empresários do ramo horti-fruti, secretárias bilíngues. E evidentemente eles não são xaropes, bem como nosso amigo Dengo não é boiola. Mas não vou aqui aborrecer os leitores (mesmo porque nem todos são masoquistas) e tentar explicar o que não tem explicação. Basta dizer que – diante de tanto auto-conhecimento e subversão – resolvi que meu “nick” no Chat do Uol seria “Primário Completo”. E foi assim que me apresentei ao Conde Black-Nazi. Ele não entendeu a brincadeira, deu de ombros e foi embora com um espanador enfiado no traseiro.

Se eu ficasse mais dez minutos ali, e tomasse mais umas doses de uísque, seria capaz mesmo de acreditar que o anão era de fato muito macho. Dengo oferecia salgadinhos vestido de doméstica. Os podólatras – todos igualmente muito machos – serviam de tapete prumas gordas metidas a mandonas pisar em cima, e eu já estava quase dormindo de tanto enfado e decepção. Depois do ocorrido nas colinas de Wilhelminenberg, não seria naquele lugar caipira que alguém ia dar conta das minhas sujeiras inconfessáveis. Não sou de estragar a festa dos outros. Pedi um táxi, e fui embora.

Mas meu saco estava tão cheio, que resolvi abrir meu segredo para o taxista. Da última vez caiu o muro de Berlim. Que caiam todos os muros! Que venha o Apocalipse Now!:

- A luz tem que estar apagada. Sou adepto, adepto sim, do ... papai-e-mamãe – e com requintes de crueldade! Isso mesmo: Papai e Mamãe! Faço questão de sussurrar um “eu te amo” no ouvido da incauta... e por nada nesse mundo tiro as meias dos pés, por favor, Gikovate, digo, motorista, siga o fluxo e me leva até a Love Story.

PS 1: Mona Dorf me entrevistou

PS 2: A super bactéria achada num lago da Califórnia, em cujo DNA consta elemento venenoso, arsênio, destoante da composição de toda forma de vida encontrada no planeta Terra, não é, digamos, uma supernovidade: ela corrompe o Brasil há pelo menos quarenta anos, encontra-se nos gabinetes e salões nobres de todo o país, e especialmente no Planalto Central, e atende pela alcunha corrosiva de PMDB.

* Considerado uma das grandes revelações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.

Twitter

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu