Ramalhete de "causos"

O galo do Mané Bento

José Ronaldo dos Santos
O meu parente Mané Bento, apesar de boa pessoa, era muito preguiçoso. Mas preguiçoso mesmo! Apesar de sempre ter ouvido tal adjetivo sobre ele, eu só me convenci disso depois do episódio do galo. Foi assim: na nossa rotina de caiçaras, há quarenta anos, quando os primeiros turistas estavam se instalando pelos jundus, todas as praias mansas, que ofereciam as condições propícias, tinham os seus os seus ranchos de pesca. Era preciso um mar muito bravo para impedir que as canoas não descessem dos rolos e fossem buscar os maravilhosos pescados através de tresmalho, linhada, puçá, puxada de rede na praia etc.

Da diversidade de técnicas para garantir o peixe nosso de cada dia, de todos os recursos, eu sempre fui encantado pelo ritual da puxada de rede na praia. Um dos meus avós era dono de canoa e de rede, juntamente com o seu irmão; foi com quem eu mais convivi nesse aspecto, vivendo momentos emocionantes disso tudo. Ao menos um dia da semana a sua rede garantia o sustento das famílias da praia da Fortaleza. Ao toque do buzo, que ficava nos apetrechos do rancho da canoa, o meu tio, contramestre da rede, chamava os camaradas quando o dia ainda estava longe do amanhecer. Apesar do ritual, tudo era rápido. Logo as remadas estavam sendo intercaladas pela rede que ganhava as águas piscosas daquele tempo. Depois era só o arrasto compassado; controlado pelo mestre para que as cabeceiras chegarem por igual no fechamento do lance, aproveitando bem todo o esforço e não perdendo o valioso conteúdo que tinha desde palombeta até robalos e enormes cações. Ninguém fazia caso da miuçalha. Os urubus e garças se fartavam até não poder mais; sempre tinha um restante que era enterrado para não feder. Depois dos lances, quando havia mais de um, os quinhões eram repartidos, todos colocavam tudo em ordem no rancho do jundu para uma próxima vez e se dirigiam para suas casas. Era uma fartura de peixe fresco.

Numa dessas ocasiões, quando retornávamos para casa, vimos o Mané Bento descendo o morro com um galo embaixo do braço. O sol já era alto! Quis saber do meu avô do que se tratava. Ele logo me explicou:

- Todo dia ele faz isso porque não gosta de acordar cedo. Então, no serão, ele leva o galo para um galinheiro na roça. Desse jeito o bicho não o perturba desde a madrugada. No outro dia, sempre na hora em que todo mundo já está se arrumando para o almoço, ele busca o coitado que passou a noite isolado de seu terreiro e das companheiras do galinheiro. Tenho até dó do bicho. Tudo isso porque o Mané Bento é muito preguiçoso. Você entende agora porque o danado é chamado de preguiçoso?

Assim se deu o meu convencimento.

Sugestão de leitura: Ciranda de nós, de Maria Carolina Maia.

Boa leitura!

Twitter

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu